Bailando ao sabor do infortúnio

Eu nunca fui um ótimo aluno. Suspeito que, em determinado ponto de suas carreiras estudantis, meus colegas de sala já tenham pensado “poxa, esse sujeito não tem lá uma das mentes mais sensatas do território nacional”, e eles tinham provas para apresentar ao juiz neste caso. Minha persona há uma década e meia era aquela coisa meio Leandro Karnal, meio Dollynho. Embora tivesse facilidade em estimular minhas funções cognitivas, meu profundo gosto pela galhofa roubava-me qualquer chance de um aprofundamento no conteúdo escolar. A aprendizagem era a esposa, mas a baderna era a amante.

Ok, exagero. Eu também não era um completo lixo. Gostava de aprender por conta própria e nunca passei perto de repetir de ano. Me esforçava quando o conteúdo era ensinado de um jeito que prendesse minha esquiva atenção. “Medíocre” talvez seja uma classificação adequada pra mim naquela época, por mais que eu não me orgulhe disso. Quer saber? Esses foram os dois parágrafos mais chatos que eu já escrevi, então deixa eu te contar logo a história antes que você desista de ler e eu desista de escrever, deixando o texto incompl

2002.

O ano da Copa do Mundo trouxe não apenas o penteado Cascão do Ronaldo Fenômeno, mas também a novidade que era a quinta série. Eu não conhecia ninguém da sala, mas logo fiz alguns colegas que, como eu, preferiam criar gibizinhos, conversar sobre videogame e desenhar obscenidades nos cadernos uns dos outros do que aprender o verbo to be (que tentavam ensinar nas escolas públicas desde a terceira série. Don’t worry. I successfully managed to learn English later, even though I’m not sure how this came to be).

Uma das maneiras encontradas para burlar as aulas foi a criação de um grupo de dança. A ideia era dançar na frente da lousa pra entreter a docente e perder o máximo de aula possível. Eu posso te explicar muitas coisas, mas uma que foge da minha compreensão até hoje é como as professoras achavam graça e permitiam que aquele bando de moleques dançasse coisas como 5 Patinhos e Mexe a Cabeça com o Tchutchucão na frente da turma. Era vergonhoso, porém elas gostavam e isso era o suficiente para perdermos vários minutos de aula todos os dias. A sala ficava aquele misto de aprovação e vergonha alheia, mas o objetivo era cumprido.

Isso também gerou uma espécie de fraternidade em meio ao ambiente hostil que era o convívio naquele grupo de amigos. Pra você ter noção, ali surgiram vários apelidos infames, como por exemplo o David Yuri, gloriosamente chamado por nós de David Yurina por conta de suas constantes idas ao banheiro.

Aquilo não durou muito tempo, devo informar. A vida recompensa o esforço, mas pune a sacanagem, e foi assim que o troco veio para nós. Estava chegando um show de talentos do colégio e, contra a nossa vontade, uma das professoras (a de português), muito fã do nosso “trabalho”, foi pessoalmente nos inscrever para dançar diante da escola toda. Ela até se deu ao luxo de escolher a coreografia: O Senhor tem Muitos Filhos, música do padre Marcelo Rossi. Um clássico.

Não parou por aí. Ela também quis se encarregar do nosso figurino. Porque, claro, tinha que ter um figurino. Tentamos escapar, mas não teve como. A professora gostava da gente de verdade. Era tarde demais pra desmentir a farsa que era aquele grupo.

Na semana seguinte, a quadra cercada por algumas centenas de adolescentes, era a hora de nos apresentarmos. Havia um som montado e até uma banca de jurados. A professora chegou toda feliz com uma caixa de papelão contendo as nossas roupas de padre: batas feitas com sacos de lixo preto com cortes para a cabeça e os braços e um pedaço de papel camurça vermelho em volta do pescoço, emulando as estolas dos padres. Olhei praquilo e disfarcei um sorriso amarelo enquanto vestia. Poucas vezes me senti tão humilhado.

Ficamos com o segundo lugar.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *