Cantiga do amor necromante

Meu amor por você começou ao luar
Descortinou-me do medo e do sofrer
Meu coração se tornou teu altar
Tomou de rompante o meu bem-querer
Nada mais podia me ferir, arco ou espada
Tu eras minhas segurança. Teu rosto, minha morada

Meu amor por você começou como um estampido
Fez do enlevo, minha mãe, e da plenitude, meu pai
Sua sutileza e inteligência mantinham meu sentimento impelido
Como o ar que alimenta o fogo, como o rio que o oceano atrai
Como o sol idílico que mantém tua beleza iluminada
Como a manhã que escancara os portões da alvorada

Meu amor por você terminou como uma carta sem assinatura
Me fez olhar pro celular vazio, buscando tua ternura
Como a sensação da lágrima seca no rosto
Como a vida irrecuperável de um cadáver decomposto

Meu amor por você terminou suprimido pelo barulho da cidade
Pelo seu comportamento estranho
Por eu não ser capaz de entender a verdade
Pelo meu descontentamento tamanho

Meu amor por você terminou depois que cansei de ser
Visualizado e não respondido
Dirigindo na Bandeirantes, o carro a 120, o volume no 26
Ouvindo Latino

Nunca comento meus textos, mas esse vale uma explicação pois, como diz o Marcelo Rezende “BOTA NA TELA, MINHA FILHA! DÁ TRABALHO PRA FAZER!”. E esse deu um trabalhão, mas VEM COMIGO!

A estrutura dele nos dois primeiros versos (ABABCC) é inspirada na métrica d’Os Lusíadas. Esses versos falam quase que exclusivamente de coisa surreais, que não fazem parte do mundano. É assim para mostrar o lado fantástico, poético e bonito de uma paixão. Aquela coisa que faz a gente flutuar igual um drone.

Já os três últimos versos têm métricas confusas, misturadas, e nem sempre se preocupam com uma boa rima. Eles falam de coisas palpáveis, do nosso cotidiano. São cenas mais tangíveis e menos bonitas, refletindo o desgosto, o descaso e um certo arrependimento, uma vontade de que as coisas não caminhassem praquele lado. Há um pouco de humor pra tentar encobrir a tristeza.

Há também uma métrica numérica que não vou comentar aqui. Se você descobrir qual é e sacar o motivo dela, escreve aqui pra mim nos comentários 😉

Esse poema mostra dois lados da nossa vida. Dois lados que são igualmente importantes, pois a nossa história não é e nem deve ser construída só de felicidades, mas também das lições trazidas pela tristeza. Enquanto nossos sonhos e vontades mantém nossos olhos e corações mirando o horizonte ensolarado, nossas decepções e prantos reforçam nossos pés para que não se abalem pelas intempéries da vida. Separados, nos deixam imaturos ou depressivos. Juntos, pavimentam nosso caminho rumo ao extraordinário.

 

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