Categoria: Pra pensar

  • Inseto

    Inseto

    Você chega em casa tarde da noite, desliga o carro e entra em casa. Ao acender a luz, um pequeno vulto corre pela parede e se esconde atrás do sofá. Era uma barata. 

    Tendo nojo, medo ou mesmo nenhuma dessas coisas, você imediatamente pensa num jeito de se livrar daquele inseto. Pode ser com um sapato, com veneno, ou, caso você goste de um pouco de caos, com fogo. Não há como você e a criatura habitarem o mesmo ambiente. 

    A lógica é simples. Se tivéssemos de explicar didaticamente ao inseto o motivo do ataque, seria algo como: Você vai morrer porque eu não te entendo e não sei o que você vai fazer ou o motivo de estar na minha casa. Você vai morrer porque é uma ameaça pra mim. 

    Talvez, se você pudesse conversar e saber quanto tempo uma aranha vai ficar no canto do banheiro pra caçar alguma coisa e ela te desse a certeza de que não iria te atacar ou se esconder embaixo do seu travesseiro, não haveria o instinto de querer acabar com o inseto a qualquer custo. 

    Esse instinto é algo que existe dentro de todo ser humano, e serve para nos proteger de coisas que não podemos controlar, seja o que for. É um mecanismo de defesa. 

    Mas, e os outros que convivem conosco? Será que damos tratamento de inseto a quem está perto da gente, sem nos darmos uma chance de entender de verdade essa pessoa?  

    Quantos você já “matou” com base nessa lógica? E quantos já te mataram sem se esforçarem pra te entender, pra saber como você pensa? “Você vai morrer porque eu não te entendo e não sei o que você vai fazer”.  

    Independente do grau dos nossos relacionamentos, seja com familiares, amigos de infância ou completos desconhecidos, a tolerância pode fazer as coisas diferentes, com certeza. Muitas vezes, somos insetos uns para os outros, e tentamos matar sem entender quem não nos entende e quer igualmente nos matar, num infinito pedra-papel-tesoura. 

    Só que tem um outro lado. 

    Não é preciso ser um especialista em entomologia pra achar algo de fascinante nos insetos. Qualquer documentário na sua plataforma de streaming favorita pode te mostrar isso. 

    Podemos nos entender. Eu aperto esses botões aqui e você consegue ler aí. Pode ser que a gente não concorde em tudo ou não goste de tudo que o outro faz, mas enquanto existir essa curiosidade de “o que torna esse besouro diferente? Onde essa mariposa gosta de fazer casulo? Formiga dorme?”, fica mais fácil tolerar, mesmo que de longe. 

    Assim como a cadeia alimentar é inseparável do próprio ciclo da vida, nenhum ser humano é capaz de viver e ser completo por si só. Nós, todos os que nos servem e todos a quem servimos estamos numa mesma colmeia.  

    Jamais saberemos as ideias e pensamentos de um minúsculo inseto, mas temos uma porta para o verdadeiro infinito que é a alma de quem nos cerca. Para pedirmos que abram, melhor do que uma chinelada é abrirmos antes as portas do nosso próprio infinito particular. 

    Toc toc 

  • Levantando do Sofá – Texto ressuscitado de 2014

    Levantando do Sofá – Texto ressuscitado de 2014

    2013 me trouxe muitos aprendizados importantes que seguramente moldarão meu futuro pelos próximos anos.

    Apesar de, pra mim, ter sido um período de crescimento, vi alguns colegas mudarem para pior em muitos sentidos.

    Os casos mais graves foram de amigos que, sufocados pelos problemas, começaram a consumir drogas e acabaram tendo um capítulo de suas vidas completamente diferente do que poderia ter sido.

    Deixaram sonhos, crenças e até relacionamentos (incluindo filhos) em troca de um “escape”. É certo que todos têm direito de escolher o que julgam melhor para si, mas penso que, talvez, a gente pudesse fazer a diferença na vida das pessoas com as experiências que adquirimos.

    Até onde você seria capaz de ir em prol de quem está do seu lado? Tudo aquilo que você sabe é realmente útil para sua vida ou só serve para contar vantagem?

    Quando enxergamos que ajudar quem precisa do nosso apoio também é uma forma de encontrar a saída para os nossos próprios problemas, tudo fica mais leve.

    A solução daquilo que nos preocupa não vai vir num passe de mágica com a virada do ano, mas com certeza virá quando tivermos força de vontade para encarar os problemas, tanto os nossos quanto os dos nossos amigos.

    Muitas vezes é o nosso engajamento e nosso exemplo que serão decisivos na recuperação do próximo. Sejamos inspiradores!

    Oi! Aqui é o Rafa de 2021. Achei esse texto perdido no Facebook e decidi publicá-lo aqui. Esse conteúdo foi originalmente publicado num jornal aqui da minha cidade, na época que eu trabalhava lá.

    Sei que é meio esquisito, mas eu estava no auge do pior momento da minha vida quando escrevi essas palavras. Talvez tenha sido mais uma autoterapia do que um conselho para os outros.

    Hoje estou muito bem, e são memórias como essa que me dão a certeza de que não importam as circunstâncias, mas como reagimos a elas.

  • Crianças do Interior

    Crianças do Interior

    vó henriqueta

    Quando se é criança, viagens de carro para a casa dos parentes são como o Jogo da Cabine do SIIIIIIMMM ou NÃÃÃÃÃO que passava no Silvio Santos. Você entra no veículo sem a certeza de que haverá algo divertido ou interessante para fazer quando chegar ao seu destino. Pode ser algo legal, como ganhar todos os prêmios, ou um dia aborrecido, como quem ganha um chiclete mascado pelo Marquito.

    E foi nesse clima de “Veeem pra cá, Rafael, HIHI! Você aceita trocar esse Televisor 42 polegadas por um Juicer Walita? ELE ACEITA OU NÃO ACEITA, LOMBARDI?” que entrei no carro com meus pais para uma viagem que até hoje eu não sei muito bem classificar. Íamos pra casa de uns tios ver a minha avó materna, que me disseram estar bem doente.

    Depois de uma hora e pouco na estrada, chegamos ao nosso destino, uma típica rua do interior paulista, com asfalto irregular e casas simples. Ao fundo era possível ver a serra e o céu estava muito azul, uma paisagem igualmente comum – e belíssima – do nosso interior.

    Havia uma turma de uns 5 ou 6 garotos brincando na calçada à frente da casa dos meus tios. Com 15 anos de idade eu me achava muito adulto, então, ao ver aqueles meninos de (creio) 12 ou 13 anos, me senti um grau acima na cadeia alimentar.

    Quando descemos do carro e tocamos a campainha, um daqueles meninos falou que poderíamos entrar. Era meu primo (e aqui, peço perdão a você, primo, caso esteja lendo. Não tenho certeza se me lembro do seu nome), um menino muito alegre e com aqueles exibicionismos comuns de criança (que eu tenho até hoje, aliás).

    “Olha só, eu tenho o boneco do Rider e o chinelo do Rider”, disse ele me mostrando seu brinquedo do Kamen Rider e seu chinelo fabricado pela marca gaúcha de calçados. Eu também tinha um boneco do Kamen Rider e também usava aquele tipo de chinelo, então me identifiquei com aquele menino e baixei um pouco a guarda que a adolescência impõe.

    Depois das apresentações e de ouvir os “nossa! Como ele tá grande!” dos parentes, fiquei junto com os meninos na calçada, onde eles jogavam Yugioh com aquelas cartinhas que vendiam em banca. Tentaram me ensinar alguma coisa do jogo enquanto falavam sobre cartas fortes e sobre as trocas de figurinhas que faziam.

    “O fulano ‘tungou’ seu primo. Trocou com ele uma carta que tem 0 de ataque”, disse um dos garotos. “Ah, mas é que o efeito dela é boa!”, refutou meu primo. Aprendi que “tungar” devia ser alguma gíria para enganar, ou algo do tipo, mas antes que eu pudesse adentrar mais naquele universo de cartas de 1000 de ataque, magias e tungadas, minha mãe chamou para ver minha vó. É aqui que a razão de eu estar te contando essa história começa.

    Também não me lembro onde estava minha irmã até esse momento, mas ela foi junto comigo até o quarto. Devia ter seus 10 anos de idade.

    O quarto estava um pouco escuro e minha vó estava deitada, como se estivesse dormindo. É um pouco difícil descrever essa cena, pois a vó Henriqueta sempre foi uma pessoa que não parava nunca. Tinha suas manias engraçadas e sempre brincava comigo quando nos visitava. Entretanto, a pessoa que estava ali permanecia imóvel, sem qualquer tipo de reação, com os olhos entreabertos.

    Minha mãe gentilmente se aproximou dela trazendo eu e a Beatriz. “Olha quem veio ver a senhora, mãe. O Rafa e a Bia”. Uma lágrima escorreu pelo rosto da vó Henriqueta. A única reação que o estado avançado da doença lhe permitiu.

    Demos um beijo nela e só então caiu minha ficha do que estava acontecendo. Dificilmente minha avó sairia daquela situação. Depois de alguns minutos desejando melhoras para aquela velhinha que parecia nem estar nos ouvindo, saímos do quarto.

    Eu estava tão triste quanto a minha limitada consciência permitia. Do outro lado da porta estava meu primo, que me chamou pra jogar videogame. Na verdade, ele jogou e eu só assisti. Olhando um pouco para a tela e um pouco para o menino, pensei que aquela cena que tanto me abalou era algo que estava do lado dele todos os dias, entretanto, sua inocência permitia-lhe ser alegre mesmo em meio àquilo tudo. Isso me ensinou.

    Acho que muitas vezes a gente confunde “ser inocente” com “ser bobo”. Ser inocente como uma criança não significa fechar os olhos para o que há de ruim, mas optar por levar uma vida guiada pela leveza, guiada pelas coisas boas que temos ao nosso redor.

    Decidi que, independente do que acontecesse com a vó Henriqueta, escolheria lembrar dela como ela era, e não como a doença a deixara. As memórias que tenho com ela são algumas das melhores da minha infância, e sempre será assim.

    Ela brincando de Lego, ela sendo personagem dos teatrinhos que eu fazia, ela vendo futebol comigo e me perguntando se “Umbro” era “ombro” em inglês… não existe doença que apague os bons momentos. Somos a soma das nossas memórias.

    A vida acontece. Quer você fique firme ou se deixe abalar, a vida acontece. Essa escolha pode não impedir o trem de andar, nem fazê-lo correr mais rápido, mas vai ditar o quão bem você aproveitará a viagem.

    Poucos dias depois, recebemos a notícia do falecimento da dona Henriqueta. Ela descansou. Foi daquelas despedidas tristes pela perda de uma pessoa tão querida, mas reconfortante por saber que o sofrimento dessa pessoa acabou.

    No enterro havia muitos primos que eu e a Bia ainda não conhecíamos pessoalmente e outros que estávamos com saudades depois de um tempo sem vê-los. Foi uma oportunidade de relembrar as histórias legais da vó e de nos despedirmos dela.

    Muito maior do que o laço de sangue, algo nos unia naquele momento. Ali, todos éramos iguais.

    Éramos crianças do interior.

  • Coleção Outono/Inferno 2019

    Coleção Outono/Inferno 2019

    o inferno são os outros

    Dia desses encontrei um conhecido e, papo vai, papo vem, notei que havia uma frase na camiseta de sua esposa.

    Amo aforismos como se ama um dia de sol na praia ou o cheiro de gasolina num posto de combustível. A questão é que não consegui ler os dizeres na camiseta, e aí entrei num dilema moral sem precedentes na história do interior paulista.

    Sendo eu um caipira de alto gabarito, fiquei com vergonha de perguntar que frase era, e também não queria que pensassem que eu estava lançando olhares indiscretos para a mulher.

    Alguma vez você já se sentiu como um boneco que apenas faz que sim com a cabeça e dá risada nos momentos certos da conversa enquanto sua mente está tão longe que nem tem mais Frango Assado na estrada?

    Não sei se alguém que enxerga com os dois olhos teria mais facilidade na missão de descobrir a frase na camiseta sem ser notado, mas minha solução monocular foi dar micro-olhadas entre uma risada e outra.

    Você sabia que a visão humana é capaz de identificar formas em pouco mais de 10 milissegundos? Eu também não sabia, mas utilizando-me de toda a velocidade do meu olho direito, identifiquei a frase.

    “Hell is other people”.

    Gosto de acreditar que a mulher não sabia que suas vestes declaravam que o inferno são os outros. Não é todo dia que você entra em uma loja perguntando se eles ainda têm peças da coleção Jean Paul Sartre verão 2019.

    Intencional ou não, fiquei pensativo sobre o aforismo. Aqui, sim, deixo minhas sinceras desculpas ao casal de conhecidos. Se eu já estava longe, nesse momento fiquei realmente MUITO longe da conversa. Nesse momento eu estava aqui, escrevendo esse texto.

    Quando se fala em inferno, lembro da crença cristã, que descreve o Inferno como um local de dor e sofrimento, um local afastado de Deus. Isso também se encaixa no sentido dessa frase, na minha opinião.

    Sendo você um poço de autoestima ou alguém que pensa todos os dias em morrer, todos temos algo em comum: Tendemos a manter nosso ponto de vista sempre em primeiro lugar. Somos, cada um em um nível, nossos próprios deuses quando se trata do que é importante para nós.

    Não quero fazer uma alegoria religiosa, apenas dizer que, em algum ponto, todos temos um pouco (ou um muito) de egoísmo.

    Dizer que o inferno são os outros faz muito sentido quando você percebe que, lidando com outra pessoa, lá no fundo, você está lidando com um lugar afastado de você, do seu próprio deus. E isso não vale apenas para desafetos, mas para amigos e familiares também. Eu sou o inferno para você, e você o é para mim.

    Muitas vezes, dói saber o ponto de vista do outro. Nós sofremos com algumas coisas que os outros dizem ou fazem. Lidar com gente pode ser muito bom, mas vai trazer complicação hora ou outra, e é aí que entra a segunda parte dessa metáfora.

    O homem não foi criado para o Inferno, mas para estar perto de Deus, para se relacionar com ele. Sendo assim, podemos trazer isso para o nosso dia a dia. Pode soar inverso do que eu disse até agora, porém o homem não foi criado para si, mas para estar perto dos outros, para se relacionar com eles.

    Podemos não ser divindades, mas é possível sermos braços, pernas e voz do divino.

    É isso.

    Quando me chamar pra um café, vista uma camiseta branca, sem desenho e, principalmente, sem frases.

  • Levantar

    Levantar

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    Tem dias que a gente acorda que nem aquele cara que foi no João Kléber pra revelar ao irmão que não aguenta mais ser confundido com o cantor Gusttavo Lima. Eu sei que, talvez, você olhe pra mim, quem sabe até me ouça cantar que é esse cabelo cor de ouro que me deixa louco, e pense “poxa, esse não é o cara mais parecido com o cantor Gusttavo Lima que eu conheço”, MAS eu ainda tinha algo em comum com o sósia: eu não aguentava mais.

    Isso aconteceu quando eu tinha 20 anos recém completos. Quando você passa dos 18, vem aquela sensação de que finalmente você é um adulto, pronto para conquistar os continentes, frequentar as rodas de conversa dos mais nobres confrades e o principal: estar apto a dirigir um automóvel.

    Aos 20, eu ainda não tinha habilitação, havia perdido o emprego há algum tempo e, bem, a mecânica da minha vida ainda era similar à de um garoto de 14 anos que pede pro pai levá-lo na festa da Wizard (o garoto estava na minha frente nesse sentido. Eu nunca fui a uma festa da Wizard). E ainda havia a cereja do bolo: minha irmã, 5 anos mais nova, agora estava namorando e eu nunca tinha sequer andado de mãos dadas com uma moça. Ouch!

    Como fã de Chaves, acho qualquer piada da série engraçada, mesmo que saiba todos os episódios de cabeça. O que não é legal é quando sua vida parece ser igual ao Chaves em sua pior característica: todo dia é reprise. Mas uma hora isso acaba. Foi num desses dias atípicos que minha vizinha da frente, uma senhorinha, veio bater na porta de casa. Ela estava muito agitada, pedindo que eu ajudasse o marido dela, que havia se acidentado na sala. Isso era um trabalho para um homem de verdade, mas como meu pai não estava em casa, não havia pra onde correr (até havia, mas não seria muito cortês de minha parte). Fui atrás da velhinha.

    Ao entrar na sala, o vovô estava sentado no chão, rabugento. Ele não respondeu quando o cumprimentei. Além de não parecer o cantor Gusttavo Lima, outra característica minha é que não sou a pessoa mais forte da América Latina, então aquela seria uma tarefa difícil, pois o homem não era lá muito magro. Tentei levantar ele igual levantaria um bebê, segurando por baixo dos braços, mas o máximo que eu ia conseguir era ferrar minhas costas. Uma coisa que me impedia de por força de verdade é que sempre que eu fazia menção de levantá-lo, o velhinho se queixava de dor.

    Notei que perto da poltrona, onde ele encostava as costas na parte em que normalmente se encosta a perna, estava um andador. Pelo que entendi, ele foi manobrar do andador para a poltrona e escorregou. Ele não tinha mais força nas pernas. Não sei se da melhor forma, mas decidi tentar o resgate de um jeito diferente, me ajoelhando perto do velho e abraçando-o firme, como abraçaria meu pai. “Força aí”, falei pra ele (e, no fundo, pra mim também) ao puxá-lo para cima.

    Já sentado em sua poltrona, meu vizinho voltou a ver televisão, resmungando qualquer coisa. A mulher dele me agradeceu bastante, ele não, mas não fazia muita diferença. Penso que ele estava cansado de viver daquela maneira, completamente dependente, igual a mim. Percebi que um dia seria eu naquela situação, e aquela estranha visita acabou sendo uma motivação enorme para que eu desse a volta por cima, aproveitasse minha chance o melhor que pudesse. Poucos meses depois, recebi a notícia que aquele senhor havia falecido.

    Essa semana, me peguei lembrando dessa história e pude mais uma vez tirar forças dela. Sei que é inevitável o dia em que o vigor da juventude vai me fazer falta ou que, metaforicamente, seja primordial que alguém me tire do chão, mas esse dia não é hoje. Os olhos ainda têm brilho, o coração ainda pulsa, as pernas ainda são fortes. Ainda é possível levantar.

  • Aniversário da minha irmã

    Aniversário da minha irmã

    (texto escrito em 2013)
    Semana passada a Bia fez aniversário. Entre risadas (como da vez em que ela se escondeu depois que eu falei que o Cata-Treco tava passando) e indignações (como da vez em que ela colocou gelo na minha cueca enquanto eu dormia) me bateu o clichê, porém honesto, sentimento de que o tempo passa rápido pra caramba. O irmão mais velho, além de sacanear, transferir suas culpas e roubar os doces, de veeeeeeez em quando também acaba cuidando e ensinando valores ao seu consanguíneo. É como se fosse um “vice pai”. No meu caso, não é pra menos: dos meus 23 anos, 19 foram ao lado deste pequeno clone loiro, sem barba e sem pipi. Dá pra entender minha nostalgia.

    Ainda ontem eu brincava com ela no quintal de casa (que hoje só serve de passagem e não tem mais brinquedo nenhum espalhado), brigava quando ela dizia que o cd da Eliana era melhor que o do Kenny G (caramba! Desde pequeno eu era um excêntrico aloprado) e acalmava ela nas noites de domingo, quando ela achava que o Mister M ia nos atacar se a gente dormisse.

    Eu não me lembro dessa transição, saca? Não sei dizer quando eu parei de ser o menino fã de Lego e Silvio Santos e comecei a ser esse galã fã de música e Silvio Santos (algumas coisas nunca mudam, hahahahah). Eu queria saber quando é que a gente dorme novo e acorda velho. Me ajudaria a ficar preparado pra muitas situações em que falhei por pensar como menino, e não como rapaz.

    Por via das dúvidas, se cabe aqui um conselho desse malacabado, nunca deixe as coisas pra amanhã. A vida passa rápido demais, deixando muito a ser dito e a ser feito. Não deixe que as pessoas que você ama passem os dias sem saber que você as ama.
    Não posso falar pela minha irmã, mas mesmo com esse sentimento de nostalgia, eu gosto muito de quem me tornei, e no fundo, continuo sendo aquele mini-craque dos meus pais que tá na foto. Não peço mais pros meus pais limparem minha bunda, mas se quiserem voltar a me dar mesada, prometo que não vou reclamar (algumas coisas nunca mudam MESMO, hahahaha)

    Espero que você também possa se olhar no espelho e reconhecer a pessoa que você queria ser quando tivesse a idade que tem 😉

  • Formatura da minha mãe

    Formatura da minha mãe

    mae (nao a minha)

    Dia desses foi a formatura da minha mãe. Ela se graduou em Música, o que era um grande sonho dela. Na hora eu a parabenizei e agradeci por ter sempre cuidado de mim, mas só agora eu saquei o tamanho da conquista da Ave Maria do Rafaelismo.

    Quando eu nasci, minha mãe era bem jovem (não que ela tenha deixado de ser *cof cof*). Ela tinha tantos sonhos quanto eu tenho hoje, e o fato dela ter postergado tudo isso pra que eu e minha irmã tivéssemos a chance de fazer algo positivo pro mundo é algo que ainda foge um pouco da minha compreensão. Nosso tempo, nossa dedicação e nosso amor são os 3 maiores recursos que temos, e a mãe dedicou os 3 a nós. Incondicionalmente e sem reservas.

    A maneira como a Dona se formou é outro ponto admirável: Ela foi uma aluna cabal, que participava de tudo e tirava as melhores notas, muito diferente do que eu mesmo fui na faculdade, e uma lição de que eu poderia (e posso, no futuro) fazer melhor. Posso me empenhar mais, posso ser o exemplo que me foi dado esses anos todos.

    Tem vezes que a gente acha que “passou do prazo de validade” pra correr atrás de certas coisas, ou que perdemos muito tempo e é só o nosso passado aquilo que a vida tem reservado para o nosso futuro, mas todas essas coisas são mentiras.

    Se hoje as pessoas acham legal alguma coisinha que eu escrevo, parte do mérito é dela. É um imposto que eu pago com muito carinho. Minha mãe foi minha primeira revisora quando eu nem sabia segurar um lápis direito e achava que “muinto” era uma grafia aceitável.

    Se hoje alguém escuta alguma coisa que eu toco e acha bacana, foi por conta da força dela numa época em que quase ninguém queria me ouvir tocar. Este apoio me carregou por milhas e milhas.

    Decidi escrever esse texto não pra “agradecer minha mãe pelo Facebook”, mas pra incentivar você que tem algum sonho na gaveta e desistiu dele ou não está se esforçando o quanto deveria. A vida é curta, mas nunca é tarde. Mãe já tem mais de 40 anos, e eu sei que essa conquista não vai ser a maior da vida dela. Ainda tem coisa muito maior que ela vai fazer, e isso não é exclusivo: Todo mundo pode ser e fazer algo especial, incluindo eu e você. Heráclito disse que “a morada do homem é o extraordinário”, e são nesses momentos que a gente vê que ele estava correto.

    Tempo, dedicação e amor. Faça sua vida ser inspiradora na história daqueles que te cercam.

  • Lidando com a indiferença (e outras reflexões)

    Lidando com a indiferença (e outras reflexões)

    escolhe aí gato

    Indiferença é uma das piores coisas pra mim, e mesmo que eu mesmo já tenha sido indiferente com as pessoas algumas vezes, o peso continua. Na real, fica até um pouco maior, pois mistura a culpa com a tristeza da rejeição e aí vira aquele bolo sabor lágrimas que você encontra nas melhores padarias do ramo.

    Penso que receber a indiferença de alguém é pior do que receber a rejeição. Informação é o maior poder humano, e saber que você tem uma imagem negativa (por exemplo) já te dá uma base pra refletir e agir a respeito, conforme o que você julgar melhor, mas ser tratado na base do “tanto faz” te deixa completamente no escuro. Receber o famoso “leu e não respondeu” de quem parecia gostar da sua companhia dias atrás ou ter conversas sobre temas importantes pra você abortadas logo de cara é um indicativo ruim, mas que abre um leque de possibilidades do mesmo tamanho da sua mente. Você não sabe o que fez de errado (ou mesmo SE fez algo errado). Não sabe se alguém falou mal de você (ou mesmo se há algo de tão mal que possam falar a seu respeito que desencadeie esse tipo de ração). Não sabe se você é desinteressante, não sabe se a pessoa é bipolar. Não sabe de nada. E não saber de nada é uma das maiores dores (pra mim, ao menos).

    Parece que nada do que você fale ou faça vai surtir algum efeito, saca? Nem elogios sinceros são correspondidos. Pensamentos considerados por outros como ideias únicas e até mesmo piadas suas que você sabe que nunca falham (aquelas que até o mais ranzinza deixa escapar um sorriso de leve), têm cheiro de nada. Têm gosto de arroz sem sal.

    Cara, como a indiferença é uma merda!

    É um muro tão alto quanto a vista alcança, mas que te permite escutar o que acontece do outro lado. E muitas vezes você sente inveja de quem tá do outro lado. De quem conseguiu tirar aquele sorriso que você queria ter tirado, de quem conseguiu fazer a pessoa contar aquela história que aconteceu hoje no almoço com uma mulher sem noção na fila do caixa e, nossa, como alguém consegue cantar Wesley Safadão no meio do restaurante? Muito sem noção, né? hahahahahaha.
    Sente inveja de quem indicou aquela música legal pra caramba e, poxa, podia ser uma da sua playlist. Você também tem músicas legais pra mostrar. Também tem filmes pra indicar, livros pra emprestar. Não que você seja grudento ou imaturo, mas você só quer um pouco de atenção. Só quer proporcionar coisas boas. Você tem carinho e vontade de ser o melhor você até hoje, mas parece que isso não basta.

    O seu melhor não foi suficiente nesse caso.

    Dói assumir isso. Mexe com sua vaidade. Quebra a sua vaidade. Joga sua vaidade no espaço, que é pro vácuo suprimir o barulho dela explodindo e a culpa ser menor. Ou talvez nem tenha culpa, porque talvez a pessoa seja inocente na história, e esteja tão sufocada nas coisas dela que não conseguiu te perceber. Será que você não agiria igual? É aí que eu costumo ficar desgraçado da cabeça de vez. Pode ser que a indiferença esconda um “hoje, não. Amanhã, talvez”. Pode ser que só esconda seu papel de trouxa. Não dá pra saber. E aí? Vale a pena esperar o amanhã? Mesmo sem garantia de nada?

    Se eu conseguisse só enxergar um pouquinho pela fresta da porta, poderia dizer se vale. Mas não consigo enxergar, e sem saber de nada, posso tomar uma decisão errada.

    Dizem que a gente não deve correr atrás, mas os dias de silêncio me deixam bem aborrecido. Não costumo ser um bom ator.

    “Eu fiz tudo o que pude e carreguei o máximo que consegui carregar sozinho” deveria consolar, e algumas vezes consola, mas em outras você é apunhalado por suas ideias do mesmo jeito. A Lei da Semeadura nem sempre funciona, e a gente deve ser humilde pra assumir que nem sempre as nossas ações vão impactar positivamente o curso da nossa própria vida.

    Hoje, eu só quero que a minha história continue.

    Fica só entre eu e você, mas uma das coisas que mais gosto é observar as luzes da cidade durante a noite. Esse texto aqui é um pequeno escape de uma parte de mim, mas existem muitas outras partes (mais legais e charmosas, se você me permite o comentário). Daria pra alongar esse raciocínio por um tempão, mas perceba que aqui eu tô só falando sobre mim. Quando eu vejo as luzes todas acesas, uma das coisas que penso é que cada luz contém pelo menos um desses universos particulares. Assim como o meu. Assim como o das pessoas que me amam. Assim como o das pessoas que não gostam de mim. Assim como o das pessoas que me tratam com indiferença. Tão bonitos e assustadores quanto o meu.

    A cabeça gira na velocidade máxima com as lembranças boas e ruins, com as indagações sobre quem está por trás de cada luz em cada casa, em cada prédio, em cada carro. Quais são suas esperanças e medos. Perceber que o ser humano, mesmo sendo tão frágil, passageiro e efêmero é essa máquina complexa formada por engrenagens adquiridas de outras máquinas, que vieram de outras máquinas, e de outras, e de outras. Engrenagens capazes das melhores e das piores coisas. Todos os sentimentos de tristeza, felicidade, indiferença e afeto ficam pequenos diante dessa ótica.

    E está tudo ali, na sua frente. Fascinante, cotidiano e esmagador. São apenas luzes, mas é muito mais.

    Nessa miríade de pensamentos, o caos faz tudo se chocar de novo e de novo. Eu já não pensava sobre o que tinha acontecido pra eu ser deixado “no gelo” e ser tratado na indiferença, e aos poucos as ideias vão voltando ao estágio inicial, mas ainda não. O caos mostra o quão profundo você consegue ser, e o quão raso você consegue mergulhar na vida de alguém. Instinto e lógica de mãos dadas. Entre as milhares de vozes falando, gritando, ecoando e rebatendo nas lembranças, há paz. O caos te abraça. Conforta.

    Cada ideia é um caminho, e entre esses inúmeros caminhos, o seu norte vai sendo revelado aos poucos. O seu cérebro ainda vai passar pelo liquidificador mais vezes, e apesar do processo ser dolorido, faz muito bem. Mais uma vez, me vejo obrigado a agradecer pela dor (sim, de novo, pois já estive nesse lugar muitas vezes). É esquisito ser grato pelo que te tira o conforto, mas muito do que eu admiro em mim mesmo, consegui desta forma. No fim, não sinto raiva ou algo ruim, apenas vontade de que as coisas funcionem, saiam da indiferença e que sejam como nunca foram antes.

    Passar pelas tristezas me faz mais forte a cada vez, e me mostra caminhos que até então eu não tinha a sabedoria suficiente pra enxergar. Pode ser que num deles eu consiga contornar o muro da indiferença. Pode ser que amanhã o muro caia e a gente consiga se entender como eu gostaria. Pode ser que meus caminhos me levem pra tão longe quanto possível.

    Eu não sei.

    Nessa hora da madrugada eu só sei de três coisas:
    – Deus é hors concours.
    – O Silvio Santos devia voltar com o Topa Tudo.
    – Esse texto tá grande demais.

    Sério. Gastei 3cm de dedo digitando.

    Aprendi que o remédio é sempre continuar caminhando. Viver um dia após o outro. Você só vai afetar a pessoa até onde ela deixar, e nada mais, então o melhor é cuidar de você e ser alguém fantástico. Isso abre mais portas do que somos capazes de imaginar.

  • Sobre ser rejeitado

    sozinho

    Rejeição e aceitação são coisas que fazem parte do nosso dia-a-dia. Você, por exemplo, pode ter rejeitado a ideia desse texto antes mesmo que eu estenda o raciocínio pelas próximas linhas, ou pode ter ficado curioso pra saber até onde a coisa vai. Essa é só uma das dezenas (ou centenas) de vezes que você vai optar positivamente ou negativamente por algo no dia de hoje. É algo tão comum quanto a piscada de olhos que você acabou de dar.

    Apesar de serem pequenas e aparentemente insignificantes, essas decisões tomam uma proporção bem maior quando envolvem a gente. Saber que alguém rejeitou todo o conjunto de qualidades e atitudes que lhe custaram anos pra aprender é realmente dolorido na maioria dos casos. Uns mais, outros menos.

    Vendo numa ótica maior, a gente opta por pessoas e situações com a mesma naturalidade com a qual somos “optados”. Você pode ser o protagonista da sua própria história, mas é, invariavelmente, coadjuvante em todas as outras (sem contar a esmagadora quantidade de histórias nas quais seu nome jamais será conhecido). Esse raciocínio nos dá um ângulo curioso sobre a humildade. Você pode ser tão bom quanto possível para um ser humano, mas ainda assim vai acabar sumindo da história de algumas pessoas tão rápido quanto entrou, frustrando qualquer expectativa de que todos que te cercam vão te aprovar incondicionalmente o tempo todo. É como oferecer comida, banho e emprego a um morador de rua ingrato. Se você já teve qualquer contato com esse tipo de gente, sabe que muitos não querem sair da decadência em que se encontram, pois, para esse grupo, está bom do jeito que está. Eles escolheram permanecer ali. Não dá pra forçar o processo. Você pode privar a pessoa de absolutamente tudo, menos de uma ideia fixa que ela tenha em mente.

    Esses dias eu conversava com um amigo e ele me disse algo curioso sobre uma moça que conheceu algumas semanas atrás. Ele se espantou pois a moça foi simpática com ele. “Depois de ser tão chutado, quando a gente conhece alguém que nos trata bem e parece se preocupar com nosso bem estar, essa pessoa acaba parecendo fora do ‘padrão’ que a gente tá acostumado a lidar”, disse meu amigo. E é verdade.

    Você pode conhecer profundamente as pessoas com quem conversa todos os dias (aquelas que te fazem usar o celular durante 70% do dia, saca?), mas é possível que nunca vai conseguir se colocar completamente na pele delas pra entender as decisões que tomam e a maneira que têm de pensar. Não tem a ver com intimidade e companheirismo, mas com vivência e circunstâncias, duas coisas particulares pra caramba. Infelizmente, não podemos controlar o que pensam da gente, sejam coisas boas ou ruim. Nossa “persuasão” se resume a sermos o melhor que podemos em todas as ocasiões e agirmos sempre com sinceridade. Ao ponto que não devemos agir passivamente, também não podemos colocar um peso gigante nas costas caso nossos esforços, aparentemente, tenham sido em vão.

    Se eu posso te dar um conselho, digo pra levar as coisas com mais calma e com os dois olhos bem abertos (ou com 1 olho bem aberto, para os semi-cegos como eu). Muitas pessoas que a gente rejeita nunca fizeram nada de verdade contra nós. Da mesma forma, quem faz algo conscientemente contra a gente, muitas vezes está fazendo por não ter entendido nossas circunstâncias e, assim, julgando-nos dignos de uma atitude ruim que jamais fomos merecedores. São erros, mas erros honestos. Mesmo se tudo for merecido (e você não tiver sido tão “inocente” assim), ainda existe espaço para o perdão sincero e a reconciliação. Todo filme tem seus pontos baixos e seus vilões, mas essa não precisa ser a trama principal do longa-metragem da sua vida.