Categoria: Pra rir

  • Não uso sapato

    Não uso sapato

    Das coisas boas que o ano de 2003 trouxe de bom para o progresso da raça humana, poucas se igualam ao lançamento do Acústico MTV Charlie Brown Jr. 

    Na época, chegou a ser crime passível de cadeia para o brasileiro menor de 20 anos se ele não escutasse e idolatrasse essa obra musical. 

    Como um bom cidadão que sempre andou na lei, eu não era exceção. No auge dos meus 13 anos de idade, esse acústico formava basicamente 100% da minha dieta musical. Era isso e o CD O Tempo, do Oficina G3. 

    Infelizmente, uma dolorosa experiência me impediu de consumir as músicas desse aclamado álbum sem ter lembranças ruins. Mas foi bom enquanto durou. “Tudo o que é bom dura tempo o bastante para se tornar inesquecível.” 

    Era a última semana de aula na escola. Poucos pais mandavam seus filhos para a escola nesses dias. “Às vezes faço o que quero, às vezes faço o que tenho que fazer”, e aquele dia eu tive de ir à escola. 

    Naquele dia, eram tão poucos alunos que juntaram todas as meninas da escola numa sala e todos os meninos na outra. Nos instruíram a criar decorações para uma festinha que teria no último dia de aula. 

    Entre tintas, lápis de cor e folhas de papel, havia um rádio que tocava CD. Acho que era mini system o nome disso, né? Pera aí, deixa eu pesquisar aqui. 

    É, acho que é isso mesmo. Divago. 

    Pedimos para a professora de artes que deixasse a gente a gente ouvir o Acústico Charlie Brown enquanto fazíamos nossas decorações desprovidas de qualquer capricho. Incrivelmente, ela deixou, e aí o amigo que havia levado o disco pra gente ver (sim, isso já foi moda nas escolas. Levar CDs e jogos só para os amigos verem hahahahahaha) ligou o som. 

    Não lembro do nome do cara que era dono do CD, mas um nome eu jamais esquecerei: Guilherminho. 

    Guilherminho, como o nome sugere, era um menino miúdo, bem baixinho mesmo. Foi durante a faixa “Não Uso Sapato” que ele teve uma ideia que soou genial aos ouvidos de todos: E se a gente fizesse uma rodinha de porrada todos contra todos? 

    A professora ficava alternando entre as salas dos meninos e das meninas para supervisionar ambos os grupos. Dada a dedicação maior das meninas, a professora passava muito mais tempo na sala delas. Tínhamos o cenário perfeito para nosso mini Clube da Luta. 

    Afastamos as carteiras e dado o sinal, todos corremos para o centro da sala enquanto o rádio tocava a sangrenta balada. 

    “Não possuo a cognição suficiente para criar versos poéticos 
    Às favas! 
    Sinto ojeriza por gente abastada, eu não calço sapatos 
    Às favas!” 

    Antes que eu pudesse desferir meu primeiro golpe, Guilherminho apareceu na minha frente e me acertou um soco na boca do estômago. 

    Perdi o ar. Cambaleei pra trás e me sentei encostado à parede, arfante. Assisti os demais se batendo, como um UFC particular ao som do Acústico MTV. 

    Mantive a compostura e segurei as lágrimas. Um Chorão já era o suficiente para o momento. 

  • Histórias que o povo conta: O ET brasileiro na pré-escola

    Histórias que o povo conta: O ET brasileiro na pré-escola

    O ser humano vem sendo preparado para ser usuário de Uber há muito tempo.  

    Séculos atrás, os mais nobres confrades faziam seus traslados em charretes e carruagens. Avançando um pouco, vemos os bondinhos levando cidadãos de bem até seus empregos, chegando até décadas recentes, nas quais muitas crianças da pré-escola são levadas às aulas pelas peruas escolares. 

    As peruas são um ambiente de aprendizado talvez tão importantes quanto a própria escola. Você aprende a lidar com o público infanto-juvenil, aprende a esperar sua vez de desembarcar, aprende a ser pontual e várias outras habilidades e valores ainda melhores (ou piores, dependendo do elenco da sua perua).  

    Pra mim, esse ambiente foi a Perua do Tio Nardo. 

    Do alto dos meus 6 anos de idade, eu me considerava um importante membro da sociedade ao acordar cedo, vestir o uniforme da escola e aguardar o Tio Nardo no portão de casa. 

    O perueiro era muito gente boa, e graças a ele aprendi a existência da palavra “inimizade” (que ele usou ao dar bronca em mim e em um outro garoto quando brigamos por um lugar na janela) e também adquiri um vasto conhecimento da discografia do É o Tchan, que tocava todos os dias NA MESMA ORDEM no rádio do veículo. 

    TUTUTU PÁ! 

    Mas sem dúvidas, a memória mais inquieta que tenho como passageirinho do Tio Nardo foi um contato imediato de terceiro grau com o alienígena brasileiro. Ou pelo menos, era isso o que eu acreditei na situação. 

    Havia um garoto muito estranho no elenco da perua (e que também estudava na minha escola, mas eu nunca o via por lá, a não ser na entrada). Ele não ia conosco todos os dias, e quando ia, não proferia uma única palavra. Apenas um sorriso. Um sorriso mecânico e fixo, digno dos mais caricatos psicopatas. 

    Certo dia, comentei com o filho do Tio Nardo (acho que era Paulinho o nome dele, algo assim) sobre o tal menino. O Paulinho estudava no Sesi e eu o respeitava muito, pois ele dizia que tinha aulas de matemática. Eu não fazia ideia do que era matemática, mas parecia ser coisa de gente inteligente. Secretamente, eu queria ser inteligente igual ao Paulinho. 

    A resposta dele sobre o menino esquisito me deixou muito intrigado. “Ele é um ET, sabia?”. Não! É claro que eu não sabia! 

    Fiquei catatônico. Ao longo das semanas, sempre que eu entrava na perua e o ET estava lá, eu ficava quieto, evitando qualquer contato visual. O Paulinho percebeu isso. E como toda criança inteligente, ele resolveu agir a respeito. 

    A escola estava prestes a inaugurar uma quadra coberta, e para celebrar, todos os alunos estavam preparando atividades de cunho artístico. 

    Num dos dias em que o ET não estava na perua, o filho do Tio Nardo me disse que “ele decidiu que vai se transformar e revelar sua forma verdadeira no meio da quadra”. 

    Poucas coisas se equiparam à maldade das crianças, especialmente das inteligentes que têm aulas de matemática. 

    Chegado o dia da inauguração, eu não queria ir pra escola. O que complicava pro meu lado é que minha mãe ia também. Com todas as turmas ensaiando canções, coreografias e brincadeiras, todos os responsáveis foram convidados para assistir, o que tornava aquele o cenário ideal para a revelação de um extraterrestre. 

    Acabei indo para a festinha escolar e, para minha surpresa, não vi o ET na quadra em momento algum. Eu e minha mãe estávamos seguros ao que tudo indicava. 

    Entretanto, a calma foi embora na saída, quando vi o alienígena e sua progenitora no portão da escola. Ela conversava com outra mulher enquanto seu filho brincava com outras crianças. 

    A moda do É o Tchan, pelo visto, foi maior do que os seres humanos são capazes de compreender. Com o mesmo sorriso de rei do camarote, o menino brincava com um Bambolê do Tchan

    Não era exatamente o disco que eu esperava ver na posse de um ET. 

  • Documento Noel: A face oculta do Bom Velhinho

    Documento Noel: A face oculta do Bom Velhinho

    O Natal é meu segundo feriado favorito do ano.  

    Das lembranças mais queridas que tenho dessa data estão as luzinhas enfeitando um famoso restaurante aqui de Jundiaí, onde eles cobriam a silhueta da casa com a iluminação natalina (eu e a Bia chamávamos o restaurante de Casa do Papai Noel nessa época) e o caminhão da Coca Cola que passava na avenida tocando o jingle de Natal. 

    Aliás, falando em Papai Noel, lembro até hoje de como deduzi que o bom velhinho não era real, ou, se fosse, não era ele que vinha pessoalmente me presentear durante a madrugada. Falavam que ele entrava em casa pela chaminé, dispositivo esse inexistente em minha casa. Tirando as portas trancadas, restava apenas uma pequena janela que abria pra frente. 

    O Bom Velhinho teria de ser do tamanho de um boneco Max Steel pra passar por ali. 

    Mesmo assim, essa descoberta da tenra infância não arranhou a minha paixão pelo Natal, tanto que esse sempre foi um dos dias mais aguardados do ano pra mim. Cheguei até a me vestir de Papai Noel quando tinha 20 anos, e foi uma experiência que, bem, feriu minha dignidade, mas me deixou um pouco mais rico, igualzinho uma profissão que eu e você acabamos de pensar. Essa mesmo! Produtor do programa do João Kléber. 

    Era uma noite de Natal como qualquer outra para minha família. Todo mundo reunido e dando risada naquele jantar que parece uma apresentação escolar, onde cada grupo apresenta seu trabalho (ou seu prato, no caso). 

    Sendo muito sincero com você, nunca fui 100% fã de pratos típicos natalinos. Até gosto um pouco, embora preferisse um churrascão, mas não fico de chatice com isso também. Ao invés de focar na comida, eu procurava formas alternativas de me divertir nas festas, o que acabou viabilizando essa linda história natalina. 

    Nesse dia, surgiu uma inédita fantasia de Papai Noel na casa dos meus tios. Não me lembro quem levou ou de onde surgiu a roupa, mas fiquei obcecado em encarnar o bom velhinho.  

    As crianças brincavam alegremente quando entra em cena um magro e cabeludo Noel. Houve silêncio entre elas e risos entre os adultos. O traje não era exatamente do meu tamanho (que já ultrapassava os 2 metros à época), o que conferia um ar esdrúxulo ao personagem. 

    Após algumas fotos com os recém fãs, recebo um desafio inesperado deles: correr pela rua desejando um Feliz Natal aos vizinhos. De gorro e barba de Noel. E cueca. 

    Conforme eu descia a rua saudando as demais famílias com um sonoro “HO! HO! HO! FELIIIIZ NATAAAAL!”, me passava à cabeça o que dizer caso fosse justamente abordado e preso pelas autoridades locais. Eu não consumo e já não consumia qualquer tipo de bebida alcoólica ou drogas, mas aceitei de bom grado que pensassem o contrário enquanto aquele Rafael disfarçado e seminu corria pelo quarteirão.

    Natal é época de união. É época de sermos generosos com nossos semelhantes. Um tempo mágico, onde cada um oferece o melhor de si ao próximo. Fiquei muito feliz ao voltar para a casa dos meus tios e receber minha recompensa pelo entretenimento provido.

    1 real para cada ano de vida. 

  • Minha passagem pela cracolândia dos jogos online

    Minha passagem pela cracolândia dos jogos online

    Certos vícios marcam a vida das pessoas de maneira irreparável. Eu nunca usei drogas ou fumei um cigarro, mas já fiz pior: fui jogador de Tibia durante alguns anos. 

    As lan houses foram a casa de muitos adolescentes em meados dos anos 2000, e comigo não era diferente. Muito do que aprendi sobre cidadania e vida em sociedade foi dentro deste ambiente inóspito. 

    Uma das lições aprendidas a duras penas foi a de jamais confiar seus itens digitais a estranhos, especialmente se eles forem pessoas estranhas. No caso do Tibia, esse cuidado era redobrado, pois os itens eram difíceis de conseguir, e havia um meliante a cada esquina virtual, pronto para websubtrair o fruto do seu websuor. 

    Se você não conhece o Tibia, vou te fazer uma breve apresentação: é um RPG online lançado em 1997, com gráficos de 1970 e sem qualquer música ou efeito sonoro. Mas o mais impactante do Tibia não é a sua arte arcaica, e sim o seu sadismo. O Tibia é um jogo cruel. Um simples vacilo e o progresso de meses de jogo estava perdido. Uma briga com outro jogador por causa de uma moeda no chão e todo o time dele caçaria você para sempre. 

    Talvez toda essa adrenalina e incerteza fossem os atrativos do game. Ele era muito parecido com a vida real nesse aspecto. Você podia entrar nos esgotos da cidade pra caçar ratos enquanto esperava seus amigos chegarem pra dar um rolê, igualzinho a realidade. 

    E é nesse contexto de emoções à flor da pele e perigos iminentes que eu me encontrava em 2005. O ar condicionado da lan house não era capaz de conter o suor de nervosismo das minhas mãos enquanto eu caçava trolls em uma caverna junto com um amigo, que na época trabalhava na prefeitura da cidade (e estava jogando de lá de dentro. DENÚNCIA!).  

    Enquanto eu jogava com toda cautela, um suspeito rapaz se aproxima do meu computador: o típico nerd, com o rosto oleoso, bochechas muito rosadas e óculos grossos. “Ah, você está jogando Tibia?”, disse ele. “Tô”, respondi, numa mistura de simpatia com estranhos e receio de estranhos. 

    Ele mandou um “ah, legal”, saiu entre as fileiras de computadores e minutos depois voltou, sentando à máquina ao meu lado. O menino abriu o game e começou a me mostrar seus itens valiosos, muito superiores aos meus, contando suas histórias de como foi difícil conseguir tal espada e tal armadura. 

    Confesso que ali ele ganhou minha simpatia, e fiquei contente com algumas dicas que ele me deu. Porém, como nem tudo são flores, uma hora começou a encher o saco, pois ele palpitava em cada movimento meu, e como um bom adolescente, eu detestava que me dissessem o que fazer. O garoto tava quase tirando o mouse da minha mão pra controlar o personagem. 

    Em certo momento, ele disparou: “você pode ir fazer a missão do Legion Helmet”. Legion Helmet era o nome de um capacete muito poderoso para o nível que eu me encontrava. O problema era: para chegar até o almejado item, o jogador precisava descer uma caverna secreta e atravessar um labirinto de chamas, chegar até o corpo de um dragão morto e resgatar seu merecido prêmio. 

    Assim como na vida real, se você tivesse de correr por um caminho tortuoso com o corpo em chamas, as chances de morrer carbonizado são de cerca de 50%. Ou morre, ou não. 

    Disse pro cara que não dava pra ir, pois meu personagem era muito fraco, que mais pra frente eu iria. Seria loucura atravessar o caminho em um nível tão baixo. Ele ficou calado e voltou para o próprio game. Poucos minutos depois, meu tempo na lan house se esgotou. 

    Caso você não se lembre, quando o tempo na lan house acabava, sua tela era automaticamente bloqueada e você não conseguia mais fazer nada até que o funcionário liberasse o acesso. Como meu personagem estava a salvo dentro da cidade nesse momento, não me preocupei. 

    Agradeci o recém-colega pelas dicas, coloquei a mochila nas costas e fui embora. Ao chegar em casa, um pensamento repentino me assombrou: O garoto poderia muito bem ter pedido ao carinha da lan house pra trocar de computador e ter acesso total ao meu personagem. Poderia matá-lo de propósito para atrasar meu progresso ou para roubar o pouco dinheiro que eu tinha. 

    Fiquei catatônico! Durante todo aquele fim de tarde fiquei pensando nisso. Esperei a meia noite, horário em que a internet discada ficava praticamente de graça para ser utilizada, liguei o computador escondido dos meus pais (aliás, se vocês estiverem lendo esse texto, peço desculpas por esse ato de desobediência do Rafa do passado. Era uma situação de emergência!) e abri o Tibia. 

    Ao acessar o mundo virtual, deparo-me com uma tela diferente da que eu deixei meu alter ego digital na lan house. O desgraçado havia mesmo acessado minha conta! Porém, meu pequeno guerreiro estava numa caverna com todos os seus bens intactos. À sua frente, o corpo de dragão derrotado contendo o valioso capacete. 

    Certos vícios marcam a vida das pessoas de maneira irreparável. Foi nesse dia que eu descobri que num antro de aproveitadores impiedosos também existe gente de bom coração. 

    Esse herói anônimo acreditou no meu webpotencial quando eu mesmo não webacreditava. Nunca mais vi o rapaz, mas seu exemplo me acompanha até hoje. 

    Aquele equipamento me pertenceu durante uma semana apenas. Dias depois do ocorrido, meu personagem (chamado “S1lvioSantos”) foi alvo de um brutal ataque. O autor do assalto ria a cada golpe, ignorando meus pedidos por misericórdia. Seu nome era Pedro_de_Lara. 

  • Bravura e confusão: A fuga da Terra dos Bisturis

    Bravura e confusão: A fuga da Terra dos Bisturis

    “A medicina evolui a cada dia. É por isso que o melhor dia para ir ao médico é sempre amanhã.” Era assim que eu pensava antes de realmente precisar de um médico, que no caso, foi quando eu tive de ser operado. 

    Inclusive, já escrevi sobre como foi o diagnóstico pré-cirúrgico. Se você ainda não leu, leia antes dessa crônica. Vai ser como assistir A Múmia 1 e depois A Múmia 2. Aliás, se você é criança, fica aqui um aviso. Esse é um texto que talvez seus pais não fiquem contentes se você ler. Mostre pra eles antes, ok? É sério. Avisos dados, vamos à historinha de hoje. 

    A ideia de ter seu corpo aberto com o auxílio de instrumentos afiados assusta a maioria das pessoas, e comigo não era diferente. Mesmo assim, deitado no leito hospitalar, dormi semitranquilo. Eu tinha um plano infalível: ia pedir para ser sedado durante o procedimento cirúrgico para a remoção do apêndice. 

    A anestesia é uma das grandes invenções da medicina. Imagine voltar ao ano 1164 e dizer às pessoas que no futuro alguém poderia rasgar a sua barriga com uma lâmina, mexer nas suas entranhas, costurar tudo de volta e você não sentiria NADA. Eu duvido que alguém acreditaria em você. Eu mesmo não acreditaria em você. 

    Voltando à história, tive de passar a noite internado e sem comer nada, mas uma coisa curiosa sobre o soro é que você não sente fome enquanto tá plugado naquela bolsa de líquido. É uma parada meio “eu comeria um parmegiana AGORA, mas se não tiver, beleza também”.  

    De manhã, me levaram numa cama de rodinhas até um elevador comprido, e de lá, para a sala onde eu seria rasgado e costurado. Esperto, já entrei falando ao enfermeiro que gostaria de ser sedado, ao que ele respondeu “essa cirurgia aqui tem de fazer acordado, que se algo der errado, você vai avisar a gente”. 

    Veja, eu não estava com o psicológico preparado para avisar coisas durante uma cirurgia, mas antes que eu tivesse tempo de protestar, me aplicaram aquela injeção de anestesia na coluna e eu não lembro de mais nada, mas não é como num sono, que você sabe que o tempo passou. Não! Num segundo era “vou aplicar a anestesia” e no seguinte eu estava deitado em outro quarto com várias pessoas em macas ao redor. 

    Eu não conseguia mover meu corpo muito bem, e deduzi que já tinha sido operado. Ao meu lado, um velhinho se recuperava de seu procedimento, e foi aí que veio um dos maiores autodesafios que já me impus: eu deveria ser capaz de me mover antes do vovô.  

    Com 23 anos de idade na época, julguei ser minha obrigação demonstrar maior poder de regeneração do que um sexagenário. Foquei minha total atenção nos dedos dos pés. Todas as células do corpo unidas em prol de um único ideal.  

    Logo já conseguia mexer os dedos e os pés. Pouco tempo depois, eu estava no completo comando do meu corpo novamente. Tipo uma possessão espiritual, só que era eu mesmo possuindo meu corpo. 

    Fui levado para o quarto ainda na cama de rodinhas, e foi lá que percebi que a anestesia talvez ainda estivesse presente nas minhas veias. Bem presente. Minhas pernas coçavam muito, e foi coçando que senti uma das sensações mais confusas (e desesperadoras) da minha vida. Minha mão bateu em algo, mas eu não senti a minha mão com esse algo.  

    Naquele momento, apenas meu pai me fazia companhia no quarto do hospital. Comentei que não sentia as partes íntimas corretamente. Ele me pediu pra verificar se tava tudo certo, porque podiam ter trocado minha ficha na hora de operar. 

    Ainda dopado pela anestesia, levei-o a sério, olhei e confirmei que estava tudo em ordem, mas continuei desesperado. Era como se uma parte do meu corpo não fosse minha.

    Fiquei incomodado a ponto de perguntar pra qualquer pessoa do hospital que entrasse no quarto, ignorando todos os conselhos para manter a calma, que logo tudo voltaria ao normal. Eu tava meio grogue, mas acho que pedi diagnóstico até pra tia do café.

    “Fica em paz que a vida não é só isso” foram as palavras de conforto e encorajamento que meu pai me disse naquele momento de angústia. 

    Pelo que me lembro, fiquei uma semana internado. Poderia ter sido um pouco menos se não fosse um detalhe importante: meu apêndice fez uma manobra diferenciada, tal qual um dançarino de freestyle, e acabou grudando no intestino. Por isso, foi necessário um pequeno corte no meu sistema digestivo para removê-lo. 

    Por causa desse corte, eu só poderia ser liberado pelos médicos depois que conseguisse defecar, indicando que tava tudo nos conformes. O que acelerou um pouco meu intestino foram as constantes perguntas. Existe algo um tanto desconfortável em lidar com desconhecidos perguntando 3 vezes por dia se você já cagou hoje. 

    No fim das contas, saí do hospital melhor do que entrei. Não só pela dor extinta e por agora precisar de um passo a menos para me tornar astronauta, mas pela transformação de vida que tive. 

    Entrei com medo, saí com coragem. Entrei doente, saí curado. Entrei mortal, saí lendário. Entrei segurando o choro, saí abraçando o travesseiro. 

  • Esperança e Desencanto: A jornada de um cagão na terra dos bisturis

    Esperança e Desencanto: A jornada de um cagão na terra dos bisturis

    A primeira vez que eu me lembro de ter sentido a dor de um coração partido, não foi no coração. Como um amargo desencanto, essa dor chegou num momento de extrema fragilidade. Na calada da noite, acordei com a barriga parecendo o Boi Bandido quando vê aqueles caras vestidos de palhaço no rodeio.

    Na inocência, pensei que estava com um grave caso de gases, mas não conseguia fazer força pra ejetar o enxofre. Fui até a cozinha e tomei um comprimido de Luftal.

    Não tinha como dar errado, com a única exceção que tinha muito como dar errado. As dores não passaram e minha irmã (que dividia o quarto comigo) certamente não teve uma noite das mais agradáveis. Não é sempre que a gente acerta na vida.

    Naquela noite eu dormi igual um recém-nascido: bonito e acordando a cada 20 minutos.

    De manhã, a dor era tanta que já acordei pensando em como escreveria meu testamento e com quem ficariam meus bens conquistados ao longo de uma vida inteira (22 anos).

    Aí você me pergunta: “Rafão, essa história é só sofrimento?”. Não, mas por enquanto, sim. Quando levantei, pedi que me levassem ao hospital, e é aqui que a porca torce o rabo, porque além da dor, eu fiquei com ódio no coração.

    Meus pais me disseram que possivelmente era um caso de apendicite. Ao ouvir esse nome, percebi que eu estava sofrendo um ataque do meu próprio corpo. Uma rebelião biológica que precisaria ser contida a qualquer custo.

    O mais difícil da dor no apêndice não é nem o fato de parecer que seu estômago tá tentando escapar da barriga usando uma faca cega presa em uma furadeira, mas é a raiva de saber que não teve nada que você fez pra merecer aquilo. Não tem genética ou contaminação. A meritocracia dos hábitos saudáveis importa tanto para o seu apêndice quanto o Palmeiras importa para o Vampeta.

    Chegando ao hospital, já me senti tranquilizado. Por um momento, até esqueci da mazela que me afligia. O médico fez algumas perguntas simples sobre a dor e me pediu pra deitar na maca. Aí ele apertou minha barriga e eu dobrei 90 graus, igual um grampeador grampeando seu dedo.

    “COMO QUE VOCÊ APERTA O TEU PACIENTE ONDE ELE FALOU QUE TAVA DOENDO IGUAL O TRIDENTE DO SATANÁS COM ARAME FARPADO?”, pensei.

    O doutor pediu alguns exames e disse que suspeitava de apendicite. Por mais que ficasse contente em pensar “meus pais tinham razão”, aquele foi o primeiro momento da minha vida adulta em que o desfralde se mostrou realmente vantajoso. Fosse diferente, eu teria recheado a Pampers assim que percebi que, se o diagnóstico fosse confirmado, eu teria de ser submetido a uma cirurgia.

    Fiz exames de sangue e de urina, mas ainda faltava o principal: a tomografia. Me pediram pra assinar alguns papéis que diziam basicamente que se eu morresse fazendo o exame, não valia dizer que a culpa era do hospital.

    Perguntei ao técnico que realizaria o exame como seria possível morrer fazendo a tomografia. “Se você for alérgico a iodo, o contraste que é injetado pode te fazer mal, mas é difícil achar alguém que é alérgico. Quando você come peixe, você tem algum enjoo?”. “Eu não como peixe”, respondi. “É…”. É.

    Naquele momento pensei que, se fosse mesmo a minha vez de partir desse mundo, não tinha como escapar. Um meteoro ia cair no hospital, alguém me faria beber 2 litros de Dolly limão ou sabe-se lá que outra tragédia aconteceria, MAS, se Deus tivesse decidido que ainda não era a minha hora, não seria um examinho que ia me matar.

    Pode ser que eu tenha pedido pro meu pai ficar na sala acompanhando o exame? Pode ser, mas esse não é o ponto. O ponto é que a coragem adquirida naquele momento me preparou para uma das passagens de maior impacto da minha vida: eu seria ou não operado?

    O medo de ser aberto com um bisturi era grande. Voltei ao escritório do médico com todos os exames embaixo do braço.

    “Espero que não seja nada”, eu disse. “E eu espero que seja! Eu adoro operar!”, disse o médico enquanto abria os exames.

    12 horas depois eu estava entrando na sala de cirurgia para remover o apêndice.

  • Martelos que marcaram minha vida – Volume 1

    Martelos que marcaram minha vida – Volume 1

    Das alegrias da vida de criança, uma das maiores é quando recebemos um presente de aniversário, ainda mais se é algo que queremos muito!

    Já tive amigos que gostavam de ganhar lapiseiras ou roupas quando eram pequenos, mas apesar de ser uma criança excêntrica também (eu gostava de Kenny G e do creme dental Kolinos), o pequeno Rafa também apreciava coisas normais de criança, como videogame, por exemplo.

    É por isso que, quando soube que fariam uma festinha no meu aniversário de 9 anos, fiquei imaginando se finalmente ganharia um jogo novo de Super Nintendo.

    Não me entendam mal. Os anos 90 eram diferentes de hoje, que você pode jogar 57 jogos diferentes todos os dias. Eu tinha o videogame há uns 3 anos, mas possuía apenas 2 jogos. Até hoje tenho todas as fases dos Donkey Kong Country 1 e 3 na memória muscular. Eu joguei esses games até gastar as pontas dos dedos, então seria legal ter um novo jogo pra variar um pouco.

    No dia da festa, vesti a melhor roupa e fiquei aguardando os convidados. Peço desculpas se você estava nessa ocasião, mas honestamente só me lembro de um único momento deste dia: quando meus tios me deram uma caixa retangular toda embrulhada. Removendo a embalagem, me encontrei com um jogo do Scooby Doo em mãos. E não era uma versão qualquer! A caixa dizia que o game era 100% em português, algo raro para a época.

    A verdade é que esse jogo não é lá um clássico do terror. Numa pesquisa rápida no YouTube, é possível ver que os monstros, bem… eles não são aquilo que se chamaria de assustador. Sério, acho que dá mais medo assistir Histórias que o Povo Conta no Programa do Ratinho. Ou ser obrigado a ir num show do Latino.

    Mas deixando de lado roedores e pessoas oriundas de países sulamericanos, eu me caguei de medo daquele jogo. Era como se fosse uma visita ao Inferno e o controle do videogame fosse a mão do capeta me cumprimentando. Com o medo constante, eu corria dentro de casa sempre que precisava ir de um cômodo a outro sozinho. O pavor estava à espreita.

    Isso, claro, não agradou muito meus pais, que agora tinham um bundamolinho dentro de casa. E um bundamolinho teimoso, que continuava tentando zerar o até então inocente jogo do Scooby Doo e correndo pela casa como se estivesse atrasado pra pegar o ônibus no ponto.

    Claro que uma hora meus pais perceberiam de onde vinha aquele medo. Minha mãe sempre jogava comigo, tanto que muitas das memórias mais queridas que tenho desse período da vida são de jogatinas com ela. Foi num desses dias que o império da Hanna-Barbera sofreu uma grande baixa dentro de nosso domicílio.

    Percebendo o meu pavor na hora que um dos monstros aparecia, minha mãe comentou com meu pai que talvez o jogo fosse o causador do Rafinha estar parecendo o Usain Bolt.

    Meu pai sempre foi um homem muito sereno, e se tem algo em que ele é muito bom até hoje, é em aplicar lições emblemáticas.

    Mais tarde naquele dia, meu progenitor pediu que eu entregasse o cartucho a ele. Pela costumeira calma dele ao pedir, não desconfiei do que estava para acontecer. Munido de um martelo, ele colocou o jogo sobre uma superfície e proferiu palavras que nunca vou esquecer: “Hoje eu estou destruindo o seu medo”.

    PAAAAAAAAAAAAA!

    Um golpe certeiro destruiu o plástico do cartucho tal qual o Thor destruindo a cabeça do Thanos. Não é exatamente esse tipo de cena que a gente pensa quando diz “papai é meu herói”, mas assim é a vida para todos aqueles que ousam desafiar vampiros e palhaços de 16 bits.

    Não vou mentir: eu chorei. Aquela foi uma perda de 33% da minha coleção de jogos. Muitas empresas fecham as portas bem antes de atingir esse patamar de prejuízo.

    Seja como for, meus pais realmente conseguiram me fazer esquecer aquela sensação de pavor e perseguição. Agora, se algum monstro tivesse a audácia de invadir nossos domínios, teria de encarar o lendário Martelo do Clã Zago.

    Possivelmente meus tios nunca souberam dessa história, e é capaz que ficassem chateados ao descobrir que o presente deles foi quebrado. Mesmo assim, as coisas tiveram um final positivo. Todas as chances de eu querer comprar uma van e sair por aí explorando casas velhas e empoeiradas acabaram naquele dia.

    Uma vida sem rinite tende a ser uma vida sorridente.

  • Tensão, hambúrgueres e castigo: O panorama de uma noite que, se eu chamasse de “boa”, poderia ser um certo exagero de minha parte

    Tensão, hambúrgueres e castigo: O panorama de uma noite que, se eu chamasse de “boa”, poderia ser um certo exagero de minha parte

    TV 24 Returns

    Poucos sabem, mas sou um grande fã da rede de lanchonetes Burger King. Meu afeto pelos lanches do Rei do Hambúrguer começou quando a primeira unidade da franquia chegou à minha cidade. Os sanduíches eram suculentos e maiores que os da lanchonete do Palhaço, então não foi muito difícil me conquistar.

    Mesmo sendo fã, concordo que certas orgias gastronômicas do BK desafiam um pouco os limites do bom senso. É gostoso 4 ou 5 hambúrgueres no lanche? É. O lanche tem estrutura pra suportar toda essa carga? Eu não sei.

    Divago. O fato é que domingo eu estava com muita vontade de comer nuggets.
    “Ai, mas nuggets é feito com aquelas raspinhas do lápis que saem no apontador, Rafael”.
    Já te falaram que é falta de educação interromper uma linha de raciocínio pra falar bobagens? Vai dormir! Cadê seu pai?

    Continuando: Eu queria demais mandar um nugguetão pra dormir satisfeito, então, tomado pelo ímpeto, fui pegar o drive-thru. Alguns diriam que me faltou domínio próprio e que eu mereci o que me ocorreu a seguir, e talvez eu concorde.

    Chegando à filial de minha preferência (pra você que é de Jundiaí: escolhi o da 9 de julho, o que por si só já é um erro), noto uma considerável fila de carros. Coragem tem, então entrei na fila. Eram 22h20.

    22h30: Com a boca jorrando saliva, os nuggets tomavam conta do meu pensamento. Ao fundo, canções entoadas com urros guturais e guitarras distorcidas embalavam minha espera tal qual uma mãe embala seu bebê prestes a pô-lo para mamar.

    22h32: Pela primeira vez, a fila anda. Nada pode arruinar meus sonhos.

    22h35: Ando mais um tanto. Desligo os faróis para não zoar minha bateria. O cheiro da comida ainda regia a orquestra da minha mente num ritmo meio Carmina Burana, meio Danse Macabre.

    22h40: Me aproximo da cabine. Serei o próximo. A ansiedade é próxima à de um primeiro encontro com a mulher amada.

    22h43: Cansado da espera, mas desejoso pela comida, vejo o carro da frente se mover. Em breve eu seria o feliz dono de uma porção de pedaços de frango. Os olhos brilham. O estômago glorifica de pé. Uma das mãos segura firme o volante, a outra engata o carro na primeira marcha. Marcha essa que seria para a vitória completa. Chego me lambendo no caixa e sou recepcionado com um cartaz. Um cartaz que me deixou confuso, e então, me deixou catatônico. “ESGOTADO”, dizia um adesivo colado em frente aos nuggets.
    -Boa noite, senhor. Qual o seu pedido? – Me perguntou a atendente.

    Relutei. Quis pagar de ignorante. Eu não podia desistir tão fácil.

    -Acabaram mesmo os nuggets ou é só essa promoção que esgotou?
    -Acabaram os nuggets.

    Decepção, tristeza. Amargura. O 7×1 estava completo.

    22h55: Com os olhos rasos d’água, recebo um pacote de papel.
    -Seu pedido, senhor – Me informou o atendente.
    -Obrigado, parceiro. Bom trabalho aí pra você – Retruquei amigavelmente, mas com cara de quem tinha levado um pé naquele primeiro encontro com a mulher amada.

    23h03: Já em casa, abro o pacote e retiro meu pedido. Dois lanches sabor desilusão.

  • O dia em que organizei minha própria festa surpresa

    O dia em que organizei minha própria festa surpresa

     

    índice

    Os historiadores talvez não gostem deste relato pois não sei dizer com precisão quando foi a primeira vez que me ocorreu a ideia de organizar uma festa surpresa pra mim mesmo. Penso ter sido aos 10 anos, mas pode ter sido aos 8 ou aos 12.

    Há alguns anos, entretanto, a ideia desta empreitada se reacendeu em minha mente. “Preciso fazer uma festa que as pessoas se lembrem sempre que forem convidadas para outras festas surpresa”. Eu seria o Bilbo Bolseiro às avessas, aparecendo em meio à comemoração como um comercial da Jequiti no meio dos programas do SBT.

    Contei a ideia para minha namorada na época e para minha irmã (como a festa seria na casa dela, penso que foi cortês e educado avisá-la com antecedência). Ambas adoraram o plano e, de posse da lista de convidados, criaram o famoso Grupo do Zap com todos os envolvidos.

    Chegado o grande dia, arrumamos a casa para receber os convidados. Quando a campainha tocou, fui correndo me esconder no quarto, e ali começou um dos momentos mais especiais da noite. Pude ouvir meus amigos chegando e conversando, alguns ansiosos com o que eu acharia da festa, outros conversando com pessoas que não viam há algum tempo. Sozinho no quarto escuro, me alegrava com cada novo convidado que chegava, tentando adivinhar quem era pela voz.

    Foi quando eu não conseguia mais entender as conversas, de tanta gente e tantas vozes, que entendi que a festa tinha dado certo. Reunir pessoas tão especiais pra mim num mesmo lugar e ver que elas estavam tendo um good times foi o meu maior presente naquela noite.

    Depois de algum tempo, o silêncio tomou conta. As luzes se apagaram e recebi uma mensagem. “Pode vir”. No que fui abrir a porta para sair do quarto, a campainha tocou. Retrocedi assustado.

    Acontece que meu cunhado estava tentando fazer as coisas mais emocionantes, mas minhas comparsas não me avisaram. Essa cena se repetiu mais duas vezes. Decidido, abri a porta novamente. Lento e silencioso, caminhei nas sombras.

    Chegando à cozinha, pude ver os convidados de costas na penumbra. Exatamente como eu havia planejado. Naquele momento, muitas coisas passaram na minha cabeça. Pensei que alguns poderiam não gostar da brincadeira, ou que poderiam até passar mal de susto. Lembrei do aforismo “há um milhão de motivos para não se fazer qualquer coisa”, e motivado por ele, pensei que estava prestes a proporcionar uma experiência única, tanto para aquelas pessoas quanto para mim. Esse era o motivo capaz de vencer o um milhão de negativas.

    Me considero um homem abençoado por ter amigos com gostos tão diferentes. Músicos, nerds, escritores, esportistas, filósofos, malucos… todos ali, prestes a vivenciar algo novo. Podiam reagir como quisessem, mas eu tinha certeza que pelo menos um sorriso de cada um eu conseguiria tirar.

    Mentalizei “a morada do homem é o extraordinário”, de Heráclito, e com toda a força dos pulmões, gritei SURPRESAAAAAA!

    Tudo o que eu ouvi foi uma confusão de vozes, até que alguém acendeu as luzes e pude ver os rostos de todos, que riam, comentavam, se indignavam, se alegravam e riam de novo. Pude abraçar um por um, e dizer que estava muito feliz com sua presença (e eu estava mesmo, pode acreditar).

    O calor desse momento é algo que vou me lembrar pra sempre.

    Quem também vai lembrar é quem estava mais para o fundo e me ouviu gritar como se sua orelha fosse um megafone. Em minha defesa, tenho a dizer que THIS IS THRILLER! THRILLER NIGHT! AND NO ONE’S GONNA SAVE YOU FROM THE BEAST ABOUT TO STRIKE!

    Muitas felicidades. Muitos anos de vida.

  • O dia em que fiz inimigos na Indústria Brasileira do Mel

    planta carnívora

    Sonhos de infância, algumas vezes, são realizados sem que a gente perceba. “Quando eu crescer, vou no mercado comprar todos os doces”, “Quando eu for grande, vou jantar pizza uma semana inteira”, “Quando eu tiver um emprego, vou comprar todas as figurinhas da Copa” e por aí vai.

    São boas as chances de você não lembrar a primeira vez que foi ao mercado e comprou o sorvete que deu na telha (talvez até dois, se ficou em dúvida sobre qual sabor escolher), e é algo que você criança adoraria fazer!

    Então. Dia desses eu realizei um sonho maluco de criança: comprei uma planta carnívora. Lembro muito bem a primeira vez que vi uma. Foi num ginásio esportivo aqui de Jundiaí, numa festa da cidade. Havia todo tipo de coisa, como aqueles sucos que vinham em embalagens de carrinhos, celulares e armas (esse da arma, meu pai nunca me comprou), filhotes para adoção e plantas decorativas.

    Numa dessas barraquinhas, o vendedor mexia com um palito numa planta e, de repente, NHAC! A planta mordeu o palito. A tampa da minha cabeça voou no teto quando descobri que aquela plantinha não apenas mordia palitos, mas comia insetos! Vivos! Quando todos os seus outros amigos se alimentam de luz e canções de ninar, você digere outras pequenas criaturas. Não dá pra ser mais legal do que isso.

    Naquele dia, eu estava acompanhado pelo meu tio, que não quis me dar uma daquelas plantas, claro. Ainda assim, a semente das carnívoras havia sido plantada em meu coração infantil, e passei a ler sobre aquela incrível espécie sempre que possível. Aliás, a planta que o homem cutucou com um palitinho de dente era um exemplar de Dionaea muscipula.

    Ah! Não pesquisei o nome agora só pra parecer sabichão. É capaz que você duvide de mim, mas isso não faz diferença para o propósito dessa história. Vamos continuar!

    Comprei a carnívora num dia em que fui procurar uma suculenta para dar de presente pra uma ex-namorada. Passeando pela loja, encontrei o departamento das carnívoras e, bem, a moça não foi a única a ter uma plantinha nova em casa naquele dia.

    Ter uma planta carnívora foi uma alegria enorme. Estudei tanto sobre a espécie que me tornei um dos plantólogos mais renomados da América Latina segundo a minha mãe. Aquela alegria, entretanto, não durou muito. A planta exigiu que eu fizesse escolhas difíceis como se eu fosse o John Locke do Lost, mas com mais cabelo e menos facas.

    Desde o começo, estabeleci uma regra: eu não colocaria insetos na planta. Deixaria que ela mesma caçasse seu alimento.

    Entretanto, fazia mais de uma semana que a carnívora não se alimentava. Eis que surgiu uma oportunidade: uma abelha já moribunda entrou voando na sala durante a noite, com aquele voo confuso dos insetos que estão em seus últimos momentos. Ela se jogou contra a luminária diversas vezes e caiu no chão. Ainda viva, mas derrotada.

    Nunca foi meu gosto matar insetos. Eu não gosto de vários deles, mas nunca tive essa urgência de matá-los. Mesmo assim, pensei no futuro da planta. Talvez aquela abelha fornecesse os nutrientes que minha carnívora precisava para viver por mais bastante tempo. Foi esse argumento que me fez parar de hesitar e, então, aceitei o fardo de capturar a abelha e inserir na boca da planta carnívora, uma morte lenta e um pouco sufocante, mas, uma morte que ela teria de qualquer jeito. Que fosse, poeticamente, vivendo através de outro ser depois da morte.

    A música do Rei Leão tocava na minha cabeça. É O CICLO SEM FIIIIIIIMMMM / QUE NOS GUIARÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ

    Com alguma ajuda, coloquei cuidadosamente a abelha em seu destino final. A armadilha da planta se fechou, abraçando o inseto que se movia lentamente.

    Eu tive pena da situação, mas penso que fui aprovado no teste da natureza. Minutos depois, ao voltar para verificar se a abelha ainda agonizava, me deparei com uma cena mais triste que comprar um videogame no Paraguai, chegar em casa e encontrar um tijolo dentro da caixa.

    O inseto havia escapado, e rastejava com dificuldade sobre o vaso. Não sei como, mas havia um furo em seu abdômen, e um líquido amarelo saía dali. Eu havia apenas piorado a situação da abelha.

    Infelizmente, nenhuma outra boca da planta era grande o suficiente para comportar o inseto. Depois daquele dia, nunca mais tentei hackear a cadeia alimentar. Tive uma lição digna dos melhores animes: Misericórdia talvez não seja evitar a dor, mas torná-la mais curta e digna.

    Posso dizer também que nunca mais fui bem quisto no círculo social dos apicultores, mas lições de vida têm um preço. Espero que um dia a indústria brasileira do mel possa me perdoar.
    Hakuna Matata.

  • Sepultura e Luan Santana na Terra do Sol

    Sepultura e Luan Santana na Terra do Sol

    -Sabe que eu te acho linda?
    -Sei. E o que mais?
    -Como assim “o que mais”?
    -O que mais, ué. Fala o que mais.
    -Ah, eu… eu gosto de você e…
    -Tá, eu vou te ajudar. Me fala algo que eu nunca ouvi.
    -Je veux être avec vous pour toujours.
    -Que diabéisso?
    -Je (eu) vu (quero) etrrr (estar) avéque (com) vú (você) purr (para) tujú (sempre).
    -É, isso eu nunca tinha ouvido, mas você não me convenceu com esse blublublu.
    -O que você quer que eu faça, então?
    -Você iria no estádio do Corinthians comigo?
    -O Porco que me perdoe, mas eu comprava os melhores lugares na numerada pra gente.
    -Tá, e o show do Luan Santana?
    -Que tem o show do Luan Santana?
    -Cê ia comigo?
    -Ah, ia.
    -E no do Sepultura?
    -Também.
    -Mas prefere Luan ou Sepultura?
    -Prefiro o que você for.
    -E se meu pai disser que a filha dele não namora homem de brinco na orelha?
    -Jogo eles fora na hora. De preferência naquelas lixeiras de palhaço, sabe? Eu gosto daquelas lixeiras de palhaço. Queria ter uma em casa.
    -E se eu disser que lixeira de palhaço é coisa de criança?
    -Ninguém aqui disse que gosta de lixeira de palhaço. Que gosto mais idiota!
    -Olha… sabia que você tá quase me convencendo?
    -Yes! Me dá um beijo agora?
    -Calma, sai de perto um pouco. Tem mais uma. E se eu disser que a apropriação cultural é um mal da nossa sociedade?
    -Bem, eu… não entendi.
    -Você acha certo mulher branca usar turbante?
    -Não vejo problema algum.
    -E se eu achar errado?
    -Aí tá errado.
    -E se eu falar que beber Coca Cola é coisa de americano e que a gente só tem de beber aquele Dolly Citrus geladinho, 100% brasileiro?
    -Aí nós vamos ter um problema.

  • Velórios, Malha Viária e o Mendigo Multinível: Um estudo de caso

    Velórios, Malha Viária e o Mendigo Multinível: Um estudo de caso

    O ser humano é movido por seus sonhos, desígnios, necessidades e, não menos importante, pelas oportunidades que a vida lhe oferece diariamente.

    Se enganam os que pensam que as oportunidades surgem como produtos nas vitrines do shopping num sábado à noite ao lado da mulher amada. Não! Muitas oportunidades estão escondidas, e vão nos exigir alguma perspicácia para enxergá-las ou algum sacrifício para aproveitá-las.

    Sua morte, por exemplo, pode ser ruim para seus amigos e familiares, mas rende 1 mês de pauta no programa da Sônia Abrão caso você tenha fama o bastante. “O lixo de um homem é o tesouro de outro”, bem dizia o provérbio.

    Reforço aqui o seu direito de discordar de mim, afinal, eu nunca fui um expert em enxergar coisas (nem em passear no shopping com a mulher amada), MAS, quando eu sou um bom cãozinho e a vida me atira um osso, eu sei mordê-lo. O que narro a seguir, entretanto, foi uma batalha interna nunca antes experimentada por mim, e que me atormenta desde então.

    O calor das tardes jundiaienses castigava as latarias dos automóveis. Embalado por “Pare de Tomar a Pílula”, do Odair José, e por uma versão forró da música Neon, do John Mayer, eu seguia para meu destino.

    Entre o anda-e-para orquestrado pelos semáforos fui surpreendido por um barulho no meu espelho esquerdo. Dois saquinhos de bala pendiam ali. Olhei pelo retrovisor para tentar identificar a origem dos doces e avistei um mano que tava pendurando essas balas nos espelhos dos outros carros enquanto o farol não abria.

    Havia um bilhete nas balinhas com os seguintes dizeres:

    “Ajude minha família
    R$2,00
    que Deus lhe dê em dobro”

    Fiquei um bocado confuso com aquela mensagem. Nunca imaginei que fosse ganhar R$4,00 por supostamente ajudar a família de alguém.

    Entretanto, pensando uma segunda vez, aquela oportunidade logo se mostrou um excelente investimento, capaz de superar qualquer TelexFree. Pelas minhas contas, se eu comprasse 250 mil saquinhos de bala, a promessa daquele rapaz era de que eu receberia meu primeiro milhão. É difícil competir com esses números.

    Talvez você me julgue como uma pessoa de coração podre, e talvez você esteja com a razão por pensar assim. Eu abri a carteira não pensando na família, mas naquela imagem do Silvio Santos com a maleta do Milhão nas mãos. Infelizmente, não havia em minha carteira uma nota sequer, apenas o cartão. O rapaz olhou pra mim com uma pose que lembra esse emoticon: ¯\_(ツ)_/¯

    Ele não passava débito.

  • Bailando ao sabor do infortúnio

    Bailando ao sabor do infortúnio

    Eu nunca fui um ótimo aluno. Suspeito que, em determinado ponto de suas carreiras estudantis, meus colegas de sala já tenham pensado “poxa, esse sujeito não tem lá uma das mentes mais sensatas do território nacional”, e eles tinham provas para apresentar ao juiz neste caso. Minha persona há uma década e meia era aquela coisa meio Leandro Karnal, meio Dollynho. Embora tivesse facilidade em estimular minhas funções cognitivas, meu profundo gosto pela galhofa roubava-me qualquer chance de um aprofundamento no conteúdo escolar. A aprendizagem era a esposa, mas a baderna era a amante.

    Ok, exagero. Eu também não era um completo lixo. Gostava de aprender por conta própria e nunca passei perto de repetir de ano. Me esforçava quando o conteúdo era ensinado de um jeito que prendesse minha esquiva atenção. “Medíocre” talvez seja uma classificação adequada pra mim naquela época, por mais que eu não me orgulhe disso. Quer saber? Esses foram os dois parágrafos mais chatos que eu já escrevi, então deixa eu te contar logo a história antes que você desista de ler e eu desista de escrever, deixando o texto incompl

    2002.

    O ano da Copa do Mundo trouxe não apenas o penteado Cascão do Ronaldo Fenômeno, mas também a novidade que era a quinta série. Eu não conhecia ninguém da sala, mas logo fiz alguns colegas que, como eu, preferiam criar gibizinhos, conversar sobre videogame e desenhar obscenidades nos cadernos uns dos outros do que aprender o verbo to be (que tentavam ensinar nas escolas públicas desde a terceira série. Don’t worry. I successfully managed to learn English later, even though I’m not sure how this came to be).

    Uma das maneiras encontradas para burlar as aulas foi a criação de um grupo de dança. A ideia era dançar na frente da lousa pra entreter a docente e perder o máximo de aula possível. Eu posso te explicar muitas coisas, mas uma que foge da minha compreensão até hoje é como as professoras achavam graça e permitiam que aquele bando de moleques dançasse coisas como 5 Patinhos e Mexe a Cabeça com o Tchutchucão na frente da turma. Era vergonhoso, porém elas gostavam e isso era o suficiente para perdermos vários minutos de aula todos os dias. A sala ficava aquele misto de aprovação e vergonha alheia, mas o objetivo era cumprido.

    Isso também gerou uma espécie de fraternidade em meio ao ambiente hostil que era o convívio naquele grupo de amigos. Pra você ter noção, ali surgiram vários apelidos infames, como por exemplo o David Yuri, gloriosamente chamado por nós de David Yurina por conta de suas constantes idas ao banheiro.

    Aquilo não durou muito tempo, devo informar. A vida recompensa o esforço, mas pune a sacanagem, e foi assim que o troco veio para nós. Estava chegando um show de talentos do colégio e, contra a nossa vontade, uma das professoras (a de português), muito fã do nosso “trabalho”, foi pessoalmente nos inscrever para dançar diante da escola toda. Ela até se deu ao luxo de escolher a coreografia: O Senhor tem Muitos Filhos, música do padre Marcelo Rossi. Um clássico.

    Não parou por aí. Ela também quis se encarregar do nosso figurino. Porque, claro, tinha que ter um figurino. Tentamos escapar, mas não teve como. A professora gostava da gente de verdade. Era tarde demais pra desmentir a farsa que era aquele grupo.

    Na semana seguinte, a quadra cercada por algumas centenas de adolescentes, era a hora de nos apresentarmos. Havia um som montado e até uma banca de jurados. A professora chegou toda feliz com uma caixa de papelão contendo as nossas roupas de padre: batas feitas com sacos de lixo preto com cortes para a cabeça e os braços e um pedaço de papel camurça vermelho em volta do pescoço, emulando as estolas dos padres. Olhei praquilo e disfarcei um sorriso amarelo enquanto vestia. Poucas vezes me senti tão humilhado.

    Ficamos com o segundo lugar.

  • Roteiro que estou pensando se apresento ou não para a família Sousa

    Roteiro que estou pensando se apresento ou não para a família Sousa

    A camisa verde de botão toda engomada e os sapatinhos marrons não combinavam com a expressão apreensiva do menino. O garoto pulou o pequeno portão seguido por seu amigo, que em nada se parecia com ele. Descalço e encardido, como quem acabou de descer por uma chaminé, o comparsa o acompanhava de perto, ofegante.

    -Tem certeza que vai entrar na casa? Pode ter alguém lá dentro – ponderou o aliado.
    -Deixa comigo. Fica aqui, que eu vou sozinho.

    Decidido e quase que na ponta dos pés, o menino se aproximou da casa bem devagarinho e pulou um tanto desajeitado em direção à janela aberta. Passou meio corpo para dentro da residência e agora fazia força para entrar de vez, com as pernas balançando no ar.

    Conseguiu! O amigo imaginou uma queda desastrosa no interior da casa, mas isso não importava mais. O triunfo dos dois estava próximo. O assecla se abaixou e foi rumo à árvore do grande quintal. O céu estava muito fechado, e ele começava a imaginar se a chuva atrapalharia a ação.

    E então aconteceu. Barulhos altos dentro da casa. Golpes. Gritos! Uma briga estava acontecendo lá dentro, e o plano infalível da dupla parecia ter falhado mais uma vez.

    Um grande estampido soou pela rua quando o menino escancarou a porta da frente, cambaleando, correndo e berrando, o rosto branco como cera e um olho roxo.

    -COLE! COLE QUE A DENTUÇA VAI QUEBLÁ A GENTE, CASCÃO!

  • O telefonema de Morfeu

    O telefonema de Morfeu

    Um atendente do banco me liga:

    -Senhor Rafael, qual o seu sonho?
    -Cês querem me oferecer crédito, amigão?
    -Sim, mas qual o seu sonho?

  • Impulsionando um novo zeitgeist entre os frequentadores de fretado

    Impulsionando um novo zeitgeist entre os frequentadores de fretado

    Solucionei meu medo de roncar sem saber no fretado de uma maneira simples e comemorativa: durmo com um chapeuzinho de festa.

    O elástico impede que minha boca se abra, eliminando as possibilidades de ronco e aumentando meu apelo social em cerca de 34%.

  • Roteiro que estou pensando se apresento ou não para a diretoria da Rede Globo: Agostinho Carrara contra o Uber – O retorno dA Grande Família

    Roteiro que estou pensando se apresento ou não para a diretoria da Rede Globo: Agostinho Carrara contra o Uber – O retorno dA Grande Família

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    O episódio começa com a câmera focada no celular de Tuco. Ele acaba de instalar um app de caronas. Sendo o representante jovem da série, Tuco logo vira um usuário e defensor ferrenho do aplicativo Uber, naquela pegada meio Viva La Revolución, meio “emagreça. Pergunte-me como”.

    Nessa, o personagem de Lucio Mauro Filho conhece Peixoto, o motorista de Uber. Apesar do nome de gente velha (pra agradar os fãs de mais idade), Peixoto é um rapaz descolado, ligado nas novidades. Sugiro o ator Bruno de Luca para esta participação especial.

    Quando descobre essa movimentação, Agostinho se sente traído pelo familiar e ameaçado pelo novo serviço. Carrara diz a Tuco que o Uber é errado, que não paga imposto, que ele está prejudicando um membro de sua própria família ao utilizar tal recurso, mas é interrompido por Lineu, dizendo que não quer briga em sua casa, e que se eles quiserem brigar, que o façam na rua.

    De orgulhos feridos, Tuco e Agostinho vão discutindo em voz alta até a calçada, quando Peixoto estaciona seu carro do Uber, mostrando que conseguiu uma parceria com a pastelaria do Beiçola. Quem fechasse corrida com ele naquela tarde, ganhava um pastel quentinho. Agostinho fica fora de si e parte para a agressão, tirando Peixoto do carro aos pontapés. Ele é flagrado por um policial que passava por ali no momento (penso no ator Oscar Magrini para esta ponta). Carrara é preso, deixando Bebel e Nenê aos prantos. Aqui poderia tocar aquela cuíca típica das cenas de malandragem. Aquele “fué fué fué” meio debochado.

    (Este é um bom momento para o intervalo comercial. Aliás, se alguma empresa quiser patrocinar este texto, fale comigo que eu coloco seu jabá aqui)

    Agora que a coisa aperta, pois Lineu e Nenê devem decidir se vão ficar ao lado de Tuco ou ao lado do Agostinho. Quem foi provocado primeiro? Quem tem a razão? Vence o filho ou o marido da filha? É, amigo, nem Game of Thrones chega nesse nível de conflitos familiares. Segura essa, HBO! Lineu é melhor que Tywin Lannister.

    Neste momento a alta cúpula da Rede Globo deve estar se perguntando “mas, Rafão, este é um humorístico leve e descontraído. Onde cê quer chegar com esse drama todo?”. Calma, diretores! Eu sei que estou escrevendo para A Grande Família e não para o programa do João Kléber. Sou um artista e preciso de espaço para respirar minha arte. Confiem no pai.

    Continuando…

    Sabendo que sua sina é suportar as loucuras de Agostinho, Lineu cria um plano. Ele decide se disfarçar e começa a realizar corridas de táxi se passando pelo genro (neste momento seria bacana ter uma pequena homenagem, tocando ao fundo uma versão instrumental da vinheta de abertura do Táxi do Gugu). Na cena seguinte, Bebel está se arrumando para o dia de visita na cadeia, quando Lineu diz que irá acompanhá-la. Chegando na penitenciária, ele revela a Agostinho que conseguiu o dinheiro para pagar sua fiança através do Táxi. Choro. Emoção. Risos pelo Lineu estar usando as roupas extravagantes do genro. Cuíca debochada de novo. Audiência.

    Tuco decide usar novamente a tecnologia, mas desta vez para postar a comovente história de sua família nas redes sociais. O relato recebe tantos likes que chama a atenção do cantor Luan Santana (sei que o orçamento vai ficar mais caro, mas aí teremos de chamar o Ovelha pra economizar. Você que escolhe, Globo), que decide fazer um show na vizinhança para promover a paz entre uberistas e taxistas.

    Durante o show, Carrara e Peixoto trocam pedidos de desculpas e se tornam amigos. Eu posso estar de figurante na plateia durante essa cena. Seria tipo o Stan Lee aparecendo nos filmes da Marvel. Todos cantando que tem gente que tem cheiro de rosa e de avelã, tem o perfume doce de toda manhã, e que você tem tudo, você tem muito. Final musical com tudo acabando bem. Funciona na Disney, funciona na Globo.

    Os créditos sobem. Segundos de tela vazia. Chega um pós-crédito com o celular do Tuco sobre a mesa exibindo uma notificação de que já está disponível para download a nova versão do Popcorn Time.

  • Temas de festas de aniversário dos meus filhos que minha esposa jamais aceitará, mas que vou sugerir mesmo assim [Parte 2]

    Temas de festas de aniversário dos meus filhos que minha esposa jamais aceitará, mas que vou sugerir mesmo assim [Parte 2]

    zap

    Tema Jornal Nacional: A mesa do parabéns seria baseada na bancada do telejornal. Eu e minha esposa estaríamos vestidos, respectivamente, de Willian Bonner e Fátima Bernardes. Para completar o traje, eu vestiria paletó e bermuda, fazendo referência às lendas sobre o figurino do famoso jornalista. O parabéns seria entoado como uma notícia, em que cada um fala um pedacinho olhando para câmeras distintas.

    -Parabéns para você.
    -Nesta data querida.
    -Muitas felicidades.
    -Muitos anos de vida.
    -E uma boa noite.

    Os convidados (fazendo as vezes de telespectadores) poderiam fazer o que fazer o que fazem em casa enquanto assistem jornal: se indignar, concordar que é isso mesmo que a polícia tem de fazer e coçar a bunda entre uma manchete e outra.

    Tema Robinson Anjo: Uma alusão ao lendário cantor dos anos 2000, a decoração desta festa teria perucas de anjo substituindo os tradicionais chapeuzinhos. O bolo teria bonequinhos de Rinaldo & Liriel, Russo e Nando Fernandes, calouros que dividiram o palco com Robinson. Eu estaria vestido de Raul Gil e os convidados só poderiam bater palmas no parabéns depois que eu gritasse “VAMOOOOOOOOOOS APLAUDIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIR”.

    Tema Cadeirudo: Em referência ao antológico personagem da novela A Indomada, essa festa teria um clima soturno, com luzes baixas e fumaça de gelo seco. Alguém de estatura baixa (muitos pensariam ser um anão) vestido de cadeirudo estaria à espreita ao longo do evento, atacando os convidados. Na hora do parabéns, o vilãozinho seria capturado e desmascarado, revelando ser, para a surpresa de todos, meu filho.

    Tema DNA: Um dos meus temas favoritos! Com direito a porrada entre os participantes, gente atirando o bolo aniversário no Sombra, Marquito estourando aquele bexigão de doces no meio da galera, sapato voando, microfone voando, brigadeiro voando, eu ficando rouco de tanto gritar “É MENTIRA, RATINHO!”, Caroço e Azeitona tentando controlar a criançada correndo e pausa para o merchan do Xocopinho. No final, ao invés de cantar Parabéns pro Papai, a banda cantaria Parabéns pra Você.

  • Aquela história do ônibus que eu fiquei receoso em publicar pois posso ser processado

    Aquela história do ônibus que eu fiquei receoso em publicar pois posso ser processado

    dogs no fretado

    O que relato a seguir são pensamentos extremamente íntimos e pessoais. Não sei se você vai se comover ou me achar um sequelado, mas leia com a mão no coração. Respira fundo. Isso. Me dá um abraço e eleve seus pensamentos para ver o mais longe possível a desumanidade que narrarei daqui em diante. Deus no comando.

    Eu sou um sujeito grande. As pessoas se assustam quando me conhecem, os amigos brincam comigo, as crianças comentam com as mães. “Nossa, que homem grande”. Durante toda a minha vida eu sempre fui o maior ou o vice maior no quesito altura, então estou acostumado às bênçãos e intempéries proporcionadas por minha compleição física.

    Entretanto, neste ano estou descobrindo algo que parece ser minha kriptonita: as viagens diárias de fretado. Enquanto fazer novas amizades dentro da condução é legal pra caramba, passar horas por dia espremido ali não tem sido das experiências mais fáceis, confesso. Já desenvolvi algumas táticas para tentar obter o máximo conforto, mas no fim das contas eu sempre fico parecendo uma escultura dadaísta. Chego em casa dolorido, mas depois de uns alongamentos e um bom banho eu estou novo e pronto pra qualquer coisa. Se tivesse um exército de mim depois do banho, seríamos capazes de invadir e derrubar uma pequena republiqueta.

    É claro que comigo as coisas nunca são simples assim, então a vida chega como o menino Neymar com a bola nos pés. Em alguns dias eu sou como o cara que quebrou ele na Copa, mas em outros, faço aquela marcação pesada e acabo sendo dibrado mesmo assim, levando o Rafa FC à derrota completa.

    Era terça-feira de manhã. Entrei no ônibus e, até onde fui capaz de ver, só havia um lugar vago. Um único lugar no corredor (onde eu gosto de ficar). No assento da janela havia um senhor todo esparramado. Parecia que ele tava numa jacuzzi. Bração aberto e tudo mais, ocupando um lugar e meio. Eu não quero soar preconceituoso, ok? Mas essa é uma informação necessária: Ele pesava mais ou menos umas 10 arrobas.

    Pensei “vou chegar na poltrona, o cara vai dar licença e valeu”. Tentei me sentar no meio assento que restava. Nada do cara se mover. Dei aquela empurrada de leve, meio “por gentileza, se não for te atrapalhar, posso ocupar 100% do meu lugar?”. O MALUCO ME EMPURROU DE VOLTA! E isso enquanto fingia que estava dormindo.

    Pensei em falar (urrar, na verdade) alguma coisa, mas não quis atrapalhar os demais colegas com uma briga no ônibus (sim, já presenciei uma briga de verdade no fretado e sei o quanto é tosco). Neste ponto, muitos me condenariam. Não julgo. Eu mesmo me condenei mais tarde.

    Quis brigar de uma outra forma: forçando o braço contra o dele e conquistando o máximo possível da minha poltrona, meio “desocupa meu lugar ou eu te dou um tiro”. Vale lembrar que eu sou franzino, então o braço do cara meio que “embrulhou” o meu com a gordura dele (novamente, sem preconceitos, apenas narrando a cena). Sabe quando você encosta o braço naqueles travesseiros da Nasa e o braço afunda? É a comparação mais próxima daquela situação.

    Durante a manhã eu tenho cerca de 40 minutos de sono dentro do ônibus. Eu conto com esses minutos pra começar o dia descansado, e ao que parecia, não ia poder tirar meu cochilo.
    Foram mais ou menos vinte minutos de empurra-empurra. Eu todo torto, espremido, e o senhor fazendo questão de ocupar 1/3 do meu lugar (que, inteiro, já não me comporta). Me questionei diversas vezes sobre o meu dever de falar algo. Eu devia falar, mas não queria acordar ninguém, nem gerar brigas. O culpado do meu sofrimento era eu mesmo no fim das contas.

    Foi aí que o aloprado cedeu como que 10cm de espaço. Vitória! Num impulso, fui ocupar o espaço, mas aí todas as células do meu corpo, meio que em fila, vieram me avisar de algo. Não havia felicidade no rosto delas. Era como se aquele seu amigo viesse te contar uma verdade inconveniente. Ele tenta te animar para então dizer que aquela sua ex, que você ainda torcia pra ter volta, já estava namorando de novo. Sabe do que eu tô falando? Aquela coisa meio “ei, cara, não fica assim, beleza? Você vai sair dessa”.

    Um a um, cada átomo do meu braço direito me avisou que o meu braço estava gelado. E não era aquele gelado gostoso do ar condicionado. Não era aquele gelado do sorvete usado numa brincadeira durante um carinho com seu cônjuge, tampouco o gelado na barriga que dá ao ver a mulher amada. Constatei que meu braço estava suado. Não apenas isso, mas estava EMBEBIDO em suor. E o suor não era meu.

    Paralisado, desconfortável, sem sono… Se eu fosse um boneco do The Sims, todas as minhas barrinhas de bem estar ficariam no vermelho naquele momento. Eu simplesmente não conseguia acreditar que aquela era minha punição (merecida) por ter ficado calado.

    Cheguei no trabalho e fui correndo lavar meu braço. Com soda cáustica.

  • Quando eu tive um contato de ordem espiritual com um cachorro

    Quando eu tive um contato de ordem espiritual com um cachorro

    dog

    Descobri que trabalhar em outra cidade traz aquele sentimento de heroísmo e enlevo. Você chega em casa tal qual um lobo alfa arrastando com o focinho a caça do dia, sendo admirado pela alcateia por sua bravura e capacidade de prover a subsistência a todos.

    Mas também tem aqueles dias em que a vida, ah! A vida, ela prega suas peças. É aquela moça que você olha e pensa “não sei se você me ama ou se é só mais um de seus truques”, é aquele casal desconhecido que, pro filho parar de chorar no shopping, aponta pra você e fala “o homem vai ficar bravo com você”. E também é um pouco disso que vou contar aqui.

    Chegando em Jundiaí depois de um dia especial no trabalho (uma ideia bacana minha tinha sido aprovada), começo a caminhar em direção a meu domicílio. Tenha em mente que eu estava há quase 1 hora e meia apertado dentro de um ônibus, e se você tem consciência do quão verticalmente corpulento eu sou, já entende que eu estava bem pobre coitado neste momento (pra quem não me conhece: eu sou photoshopado pra cima, mas sem o shift segurado).

    Enquanto caminhava, um carro tocando um dos funks mais hediondos que já ouvi na vida passou por mim em alta velocidade, com os ocupantes berrando do lado de dentro. Não vou colocar a letra do funk aqui, senão seus pais não deixam mais você ler meus textos.

    Naquele momento meus instintos mais primitivos foram ativados. Eu seria capaz de cravar minha mandíbula no para-choque do carro e arremessá-lo pra longe, emitindo um urro gutural e colorindo uma pintura rupestre logo em seguida.

    Foi quando OUVI um urro gutural: um dog gritava alucinadamente de dentro de um portão para o carro, que já ia sumindo na distância com velocidade. Passei pelo cão, que era de alguma raça que não conheço, mas era bem grande. Olhei nos olhos dele e, por lapsos de segundo, estabelecemos um diálogo, num ato compreensão e respeito mútuo.

    -O mundo tá cheio de babaca, né, parceiro?
    -Pode crer, irmãozinho. Tava aqui procurando meu brinquedo novo que faz um barulho engraçado e fui covardemente desrespeitado – respondeu o cão.
    -Pior eu, que tava voltando do trabalho e ao invés de sentir tranquilidade, já cheguei passando nervoso – falei.
    -É isso aí, guerreiro! Tem de comprar ração pros teus filhotes. Continua firme no teu corre.
    -Valeu! Nem casado eu sou ainda, mas um dia quero ser pai. Você tem filho já?
    -Me botaram pra cruzar tem uns 2 anos. Fiquei sabendo que nasceram 7 carinhas na ninhada, mas nunca vi eles (não me lembro exatamente qual de nós dois disse essa frase, mas pelo contexto deve ter sido o cachorro).
    -Que fita! Mas um dia espero que os Rafinhas possam brincar com teus moleques, parceiro. Tamo junto!
    -Tamo fechado, irmão! E olha, se você ver vagabundo tocando essa merda alto de novo, sai correndo e latindo atrás deles por mim – respondeu o dog.
    -Fechou!

    Cheguei em casa me sentindo em paz e renovado. No dia seguinte comprei um ossinho pra eu ficar mordendo.

  • Redes neurais e o swing brasileiro: um estudo de caso

    Redes neurais e o swing brasileiro: um estudo de caso

    sai vo

    Um costume excêntrico que eu tenho no Facebook é olhar primeiro o post, imaginar quem postaria aquilo e só então ver quem postou.

    Apesar de ridículo, esse hábito adiciona um elemento de suspense ao site, trazendo aquela sensação de que um dibre pode vir a qualquer momento.

    É tipo ganhar um presente de aniversário. Muitas vezes vem a alegria de receber um ótimo perfume, mas um dia invariavelmente você sentirá o dissabor de abrir o pacote e encontrar ali dentro um CD dos Tribalistas.

  • Está cada vez mais difícil ser mão fechada

    Está cada vez mais difícil ser mão fechada

    cheque

    Ontem fui abordado por um andarilho na rua.

    -Ô, Cabelo! Contribui comigo aí.
    -Foi mal, parceiro. Tô sem nada.
    -Se você tá sem dinheiro, pode me passar um cheque. Não faz mal.

  • Tensões provocadas por desfalques no cardápio – Capítulo 1

    Tensões provocadas por desfalques no cardápio – Capítulo 1

    a nao

    E aí você achou que seria uma boa ideia ir até o drive-thru pegar um lanchinho. Você espera na fila de carros, canta junto com o rádio pra passar o tempo, pensa no que vai pedir. Lembra daquele lanche que você sempre comia quando levava aquela mocinha que você gostava pra passear. Você lembra daquela época e acha que talvez não seja uma boa pedir aquele lanche. É a sua vez de pedir. Você pede aquele lanche. A atendente te diz que infelizmente não fazem mais aquele lanche.

    Você perde a fome, agradece com aquele sorriso de quem comeu um bolo sabor lágrimas e vai embora. O trânsito apertou, e pela previsão do GPS, você ainda tem meia hora de viagem até sua casa. Começou a tocar Tim Maia no rádio. A bad chegou.

  • Elevadores, partos e pseudo-intimidade com vozes do outro lado da linha: o mundo sob os olhos de uma vítima traumatizada

    Elevadores, partos e pseudo-intimidade com vozes do outro lado da linha: o mundo sob os olhos de uma vítima traumatizada

    O mundo sempre tenta nos preparar para o que há de mais pantanoso e hediondo. Quando você tá no ensino médio é aquele papo de “na faculdade o professore nem escreve na lousa. Ele vai te humilhar na frente da sala e postar uma foto das tuas lágrimas no Flogão dele. Não é papinha na boca igual aqui, não”. Já na faculdade vem o famigerado “o mercado de trabalho é pior que o programa da Sonia Abrão. Se você não fizer o que te mandarem, o chefe vai te colocar pra vender CD pirata do Jorge e Mateus na Estação da Luz”. São pressões psicológicas dignas dos melhores João Klebers (Jooes Kléberes?).

    Acontece que a vida é esse meliante que espreita nas esquinas. A vida fica nesse vou-pra-cá-vou-pra-lá-vou-pra-cá-vou-pra-lá e quando você olha pra ela achando que é um assalto, na verdade é só alguém querendo te vender TelexFree, ou algo pior. Não dá pra prever o que a vida vai te proporcionar, mesmo nas situações em que você, com sua falta de fé, tem certeza que vão acabar com alguém ouvindo Pablo e chorando toda vez que lembrar da sua história.

    Uma dessas situações-limite aconteceu comigo numa das vezes que fiquei preso num elevador (a primeira vez, pra ser exato) em 2012. Era minha volta do almoço, e como tenho pouco carinho por filas, decidi pegar um dos elevadores mais “escondidos” do prédio onde trabalhava. Nesse momento, meus inimigos soltaram um brado de júbilo por minha péssima escolha.

    O regozijo completo que o almoço me proporcionou foi substituído por uma sensação de curiosidade quando o elevador parou de subir no quinto andar. Puxei o interfone.

    -Oi. Meu elevador está parado tem um tempinho.
    -Qual elevador?
    -Tô acenando aqui pra câmera.
    -Se forem os elevadores do fundo, as câmeras não funcionam.

    Ótimo. Fiquei fazendo carinha de quem tá gostando demais à toa. Depois de descrever qual dos elevadores era, recebi instruções para aguardar a porta se abrir. Ela se abriu, e na frente dela havia uma parede. Fantástico! Eu estava entre dois andares.

    -Então, moça, meio que tem uma parede na minha frente.
    -Ixe! Vamos ter de chamar os técnicos, mas eles vêm de Campinas (40 minutos de viagem).

    Fiquei lá sentado, aguardando meu destino. Me questionei se eu era claustrofóbico, mas acho que se fosse já estaria gritando e tentando morder as paredes. Meu passatempo seguinte foi tentar pensar na pose mais estilosa possível que poderiam me encontrar quando o socorro chegasse. O interfone tocou.

    -Fala, Rafinha (já estávamos íntimos)! Tudo em cima, meu bon vivant? Entendeu? “Em cima”. Hahaha (e intimidade é algo que você definitivamente não deve dar pra qualquer pessoa). Vamos ter de desligar a energia, ok? Assim não tem perigo de mexerem no elevador com você dentro. Tudo nosso, meu querido!

    Segundos depois, o elevador ficou completamente escuro. Nem a tvzinha com notícias repetidas e curiosidades do chocolate Surpresa perdoaram. Meu plano da pose foi arruinado. Preso sozinho entre dois andares num elevador defeituoso e completamente no escuro. Sou um tanto teimoso, mas se você sugerir que esse não era o melhor dos momentos, pode ser que eu concorde.

    Depois de 30 minutos de contemplação (fora os outros 40 de espera pelos técnicos), aquele elevador era praticamente meu santuário, tamanho o nível das meditações praticadas ali. E foi nessa atmosfera sagrada que presenciei o que parecia o milagre da vida. Aos poucos, um facho de luz vertical se formava em minha frente, com o elevador dando leves trancos. A luz vertical foi se expandindo devagar, de forma que eu pensei estar literalmente nascendo de novo.

    Formas e cores se revelaram a mim, mostrando um rosto. Não o de um médico pronto para me puxar de lá e bater no meu bumbum macio até eu chorar, nem o da minha mãe sorrindo com os olhos brilhando, mas o da zeladora mal humorada.

    -Sabia que era você, Zago.

    Reparei que havia algo errado: colocaram o elevador no quarto andar. A agência onde eu trabalhava era no sétimo. Como boa vítima se recuperando de um grande trauma, entrei no elevador ao lado.

  • Microconto #5: Crise hídrica

    Microconto #5: Crise hídrica

    Atendo o telefone. Do outro lado, uma desconhecida me faz um pedido.

    -Oi, me traz uma água aqui na Rua Pastor Luis.
    -Olha, moça, acho que não vou poder te levar essa água.
    -Como assim?! Me traz logo a água!
    -Eu meio que tô no trabalho. Se você faz questão, passo aí quando sair, pode ser? Só um copinho descartável serve ou você quer um galão?

    Ela desligou. Infelizmente, não foi hoje que tive a oportunidade de prover recursos hídricos.

  • Nanossegundos de tensão em ambientes de circulação do capital

    Nanossegundos de tensão em ambientes de circulação do capital

    posto_de_gasola

    Fui abastecer o carro.

    -Amigo, coloca 20 reais de comum pra mim, por favor.
    -Tranquilo, parceiro. Se quiser, já pode ir lá pagar.

    Segui a recomendação do profissional e fui ao caixa. No meio do caminho, minha mente se desconfigurou. A dúvida tomou conta do meu eu interior. Dei meia volta.

    -Opa! Quanto vai ficar?

    Alguns segundos de silêncio e percebi minha burrada. Comecei a rir igual um maníaco sob o olhar confuso do frentista.

    Se vocês procurarem por aí, o cara do posto já deve ter postado um texto sobre o dia em que ele atendeu um cabeludo cheirado de cocaína até o osso. Eu não uso drogas, amigo frentista. Eu sequer bebo. Só não estava no meu momento mais brilhante.

  • O dia em que eu descobri que não tinha talento para assassinatos em massa

    O dia em que eu descobri que não tinha talento para assassinatos em massa

    seu_boneco

    Hoje em dia, talvez eu seja uma das pessoas mais altas que você conhece. Sempre fui o mais alto da turma na escola e, embora me zoassem por isso, não era algo que me incomodava. Na real, lá pelos meus 7 anos, eu até gostava de ser visto como o grandalhão, pois era escalado para todas as galhofas que envolviam esconder ou capturar coisas em alturas consideradas “à prova de criança” pelos professores.

    Ser o mais alto, naquela época, me rendeu gostosas gargalhadas, mas, como em tudo que escrevo aqui, você já deve imaginar que isso me ferrou de alguma forma. É por isso que eu gosto de você que, com sua audiência, é sinal de prestígio para o blog Detexto.

    Continuando a história, lembro de uma menina daquele tempo (que vou chamar aqui de Priscila, pois esse era o nome dela) cuja mãe era, digamos, não muito sensata. Pra você entender o naipe da mãe da Priscila: Teve um dia que a mulher apareceu na escola portando um estojo com os 2 VHS do Titanic e uma “bijuteria” (na real, era um colar de brinquedo) que imitava a joia da protagonista. E sim, a tia estava usando como se fosse a cena do “quero que você me desenhe como uma de suas francesas”, só que sem estar pelada, sem estar em um sofá e sem estar num navio prestes a afundar. Eu não sei quantas vezes na vida você ficou tão feliz com uma compra que decidiu levar pra professora da sua filha ver no horário de aula dela, mas essa mulher estava contente a esse ponto.

    Confesso que eu até achava ela bacana, bem animada e tal, mas ela quase me fez aparecer na capa dos jornais como um assassininho mirim, desses que a TV bota a culpa no videogame, mas como eu só jogava Donkey Kong, não sei como fariam esse link. Foi no ano seguinte à história do Titanic, bem no primeiro dia de aula, no recreio. Todo mundo falando de suas coleções de Tazo, dos desenhos novos da TV Globinho (ainda era a época do Caça Talentos. Quem lembra?) e correndo pelo pátio alucinadamente. Havia uma mãe ali também. A mãe da Priscila.

    Eu estava descansando depois de dois rounds de Pega-Pega, quando a mulher parou com a menina perto de mim e disse:

    -Não fica perto de menino grande assim, que eles vão te bater e depois você vai pra casa chorando.

    Hoje eu entendo que isso foi muito mais um inadequado “não bata na minha filha” pra mim do que um recado pra menina. Eu nunca tinha dito nem oi pra garota.

    Priscila fez que sim com a cabeça e eu sai dali calado, meio desgostoso da vida, tipo o Chaves no episódio do Sr. Furtado. Fiquei me questionando se eu era mesmo aquele Godzilla que parece um gigante gente boa, mas só vem pra esmagar cidades e sonhos, porém logo desencanei da ideia. A raiva não durou muito. Lembrei do Seu Boneco (da Escolinha do Professor Raimundo) e repeti mentalmente “Eu vou pa galeeeera” enquanto ia trocar ideia com os amigos.

    Mesmo que eu quisesse ter ódio da tia por causa daquele comentário tosco a meu respeito, crianças de 7 anos não costumam ter muito crédito no mercado negro de armas de fogo, e minha mãe me falou um dia pra ficar longe de facas porque podia me machucar, então minha carreira de homicida infantil em potencial foi enterrada ali.

    Confesso que me arrependo de ser tímido e nunca ter feito nada pra mudar a ideia da Priscila a respeito de meninos altos. Quem deve me agradecer até hoje é o anão com quem ela casou recentemente.

  • Breve sinopse de alguns dos meus filmes favoritos (parte 1)

    Breve sinopse de alguns dos meus filmes favoritos (parte 1)

    macaulin

    -Forrest Gump: Tom Hanks acorda e pensa que seria uma boa ideia narrar sua biografia pras pessoas enquanto espera a condução. Você gosta dele no filme, mas se ele esbarrasse contigo na estação Jabaquara, você fingiria que o papo não é com você.

    -Duro de Matar: Bruce Willis descalço num prédio manda um grupo terrorista armado até os dentes e altamente treinado para o colo do capeta. É natal.

    -Esqueceram de Mim: Macaulay Culkin com a carteira de vacinação ainda incompleta transforma sua casa num ambiente de alta periculosidade para evitar que criminosos o capturem. É natal.

    -A Fantástica Fábrica de Chocolate: Willy Wonka leva crianças para um passeio em sua fábrica sem uma prévia vistoria dos bombeiros para assegurar a integridade física delas. Depois que quase todas sofrem graves acidentes, Willy decide que um garoto apresentado a ele cerca de 2 horas atrás será o herdeiro de todo o seu império no competitivo mundo da indústria dos chocolates. Não é uma data comemorativa, mas Wonka gostaria que fosse páscoa.

  • Breve sinopse de alguns dos meus filmes favoritos (parte 4)

    Breve sinopse de alguns dos meus filmes favoritos (parte 4)

    edao

    -A Múmia: Brendan Fraser luta contra um encapetado poderoso que havia sido condenado a uma morte hedionda após tentativas de lancinho escondido com a mina do faraó. O safado ressuscita e tenta raptar a mina do Brendan para obter aquele carinho gostoso, amor venenoso, mas é morto de forma cruel uma segunda vez. Algumas pessoas não aprendem nunca.

    -Operação Babá: Vin Diesel é um homem de alta periculosidade e bom coração. Após ser vitimado pela crise (o filme não mostra, mas ele apertou o 13 na urna), o cara se vê obrigado a cuidar de crianças birrentas, mas que depois se revelam simpáticas. Entretanto, mudar de vida não foi o suficiente, e Vin é ameaçado por inimigos do passado. Algumas pessoas não aprendem nunca.

    -A Creche do Papai: Eddie Murphy é um homem de alto carisma e bom coração. Após ser vitimado pela crise (o filme não mostra, mas ele apertou o 13 na urna), o cara se vê obrigado a cuidar de crianças birrentas, mas que depois se revelam simpáticas. Entretanto, mudar de vida não foi o suficiente, e Eddie é ameaçado por inimigos do passado. Algumas pessoas não aprendem nunca, e analisando essa lista de filmes de gosto duvidoso, talvez eu seja uma delas.

  • Microconto #4: Incertezas telefônicas numa tarde não tão ensolarada

    Microconto #4: Incertezas telefônicas numa tarde não tão ensolarada

    cidao

    -Alô!
    -Oi, Rafa! Sabe quem é?
    -Não sei. Foi mal.
    -Ué, não reconheceu minha voz?
    -Por telefone, só reconheço minha mãe, meu pai e o Cid Moreira.

  • Microconto #3: Delivery de crise existencial

    Microconto #3: Delivery de crise existencial

    CKaS8H-WsAAeTmD

    -Alô! Poderia falar com o Rafael?
    -Sou eu.
    -Rafael Moreira?
    -Não. Rafael Zago.
    -Tem certeza?

  • Whey Protein, esteiras e o ímpeto adolescente: um documentário sobre o mundo da maromba

    Whey Protein, esteiras e o ímpeto adolescente: um documentário sobre o mundo da maromba

    leostronda

    Poucos acreditam, mas eu mantenho esse físico esguio sem ir a uma academia.
    Nem sempre foi assim. No auge dos meus 16 anos, decidi que seria uma boa ideia frequentar este ambiente de foco, força, fé e pura azaração.

    Meses após meu conturbado início (assunto para outra conversa), eu continuava apto à invocação de esforços físicos repetitivos a fim de obter a hipertrofia muscular. Eu era a Alemanha e o mundo era um gol protegido pela zaga brasileira. Nada poderia impedir o meu 7 a 1 da maromba.

    Confesso: Já fui um cara muito infantil (não sou mais. Sério. Que foi? Não me olha assim. Me deixa em paz, por favor. OK, VOCÊ VENCEU. Eu sou mais imaturo do que o Cirilo do Carrossel querendo xavecar a Maria Joaquina mesmo sabendo que isso é uma baita ideia errada), e como tal, uma das minhas principais fontes de entretenimento na época era promover a desordem em todos os locais possíveis junto com os amigos. Incluindo a academia que, segundo a definição de Platão, é um lugar e, se enquadrando como tal, é passível de ser um palco de altas bobajadas.

    Resulta que, numa dessas empreitadas pelo riso, o objetivo dos galhofeiros era correr na esteira da forma mais esdrúxula possível, mas com uma expressão facial austera, carregada da mais absoluta sobriedade, a fim de averiguarmos as reações dos demais frequentadores. Uma ideia imbecil, se você me perguntasse hoje, mas que na época soou como uma nova era no humor nacional.

    Na esteira ao meu lado, uma mulher que, de acordo com a minha percepção deveria ter entre 25 e 40 anos, fazia seu aeróbico inocentemente, enquanto eu corria com movimentos meio Jim Carrey, meio Jacaré do Tchan. O rosto sério, os movimentos esquisitos, a velocidade da esteira… isso tudo era muito para minha coordenação motora. Num lance imprevisto, tropecei no meu próprio pé e fui catapultado para cima da colega de maneira que eu mesmo, repassando a cena mentalmente, me pergunto se não estive em algum episódio do Chapolin. “Um monstro sagrado da babaquice”, diria o Craque Neto a meu respeito.

    Não sei como, mas a tia era detentora da dádiva dos ninjas, de forma que meu cadáver arremessado sobre ela tal qual um projétil malicioso apenas roçou de leve em seu braço, sem nenhum dano causado. Meus ferimentos não foram no corpo, mas na alma. Daquele dia em diante achei melhor treinar um pouquinho antes do meu horário pra não ter de lidar com a vergonha de encontrar a mulher após minha clara tentativa de assassiná-la.

    3 da manhã eu tava na porta da academia com o pote de whey debaixo do braço.

  • Inimigos da HP, amor materno e o pensamento metódico: um panorama da psique pós-moderna

    Inimigos da HP, amor materno e o pensamento metódico: um panorama da psique pós-moderna

    forrest

    Um dia você acorda daquele jeito esquisito. Pensa que talvez ter comido aquele lanche no Podrão da esquina foi uma decisão equivocada. Pensa que talvez deveria ter se formado em Agronomia. Pensa que talvez sair por aí cantando “Mãe, eu vou no show do Inimigos, mãe. Não quero mais saber de nada, não. Só quero paz e amor no coração” não seja lá má ideia. E talvez você esteja certo. Talvez os Inimigos estejam certos.

    Talvez o mundo seja mesmo um lugar hostil, repleto de pessoas se estapeando por um lugar na fila da galera que quer te aborrecer. Talvez aquela colega derrubou suco de propósito na sua roupa nova. Bem que você reparou no olhar ardiloso dela. Quem te deu a roupa foi a Tia Marta, e você nem gostava tanto assim do presente. Ela comprou 2 números maior do que o seu manequim. Será que você aparenta ter mais gordura do realmente tem? Pode ser.

    Lembrando do presente e da ousadia que teve de dizer pra sua mãe que ia no show do Inimigos, você entra em estado de choque. Se deu conta de uma verdade inconveniente.

    Você esqueceu de comprar o presente da sua mãe.
    Deus no comando.

  • Sobre inaptidão social com bebês e a crise existencial num sábado à noite

    Sobre inaptidão social com bebês e a crise existencial num sábado à noite

    dedc3a9-santana

    Entre um prato de pizza e outro, a roda de amigos está plenamente entretida com vários assuntos sensacionais. É a situação embaraçosa da viagem (como o Pedro foi bobão, né? Nem viu o cachorro roubando os petiscos em cima da mesa. Hahahahaha), é alguém mostrando o vídeo hilário do momento no celular (você já viu esse há duas semanas no Twitter, mas é engraçado pra caramba, então bora rir com a galera), é o garçom perguntando se você quer mais um pedaço de Frango com Catupiry. Sim, você quer. Comer pizza com os amigos é um dos seus programas favoritos!

    Aí chega um casal de amigos atrasado com o Enzinho no colo. Todos adoram o bebê. Você adora o bebê. A mulherada já começa a levantar fazendo aquela voz que a gente usa pra se comunicar com crianças pequenas e animaizinhos adoráveis. O Enzo acha o máximo, e os pais também. Você trabalhou a semana toda e está cansado, mas sempre foi alguém social e descolado, então decide ir pedir pra segurar o bebê no colo e fazer aquela moral com a turma. Imediatamente, o Enzo começa a chorar e se afunda no colo da mãe. Caos.

    A mãe fala pra ele não chorar, pois é só você, o tio bonzinho. Olha só que bonzinho que o tio é. O tio só quer falar oi. Fala oi pro tio. Mas não tem jeito. Enzo está irredutível, e todo mundo fica sem graça com o pequenino chorando. Você causou o choro. Bebês são puros de coração, e quem é puro não se mistura com quem é perverso. Você consegue imaginar um bebê sorrindo no colo do Kléber Bambam? Eu não consigo.

    E se você for realmente horrível? Talvez você tenha se enganado durante a vida toda, pensando que você era decente, mas à luz do julgamento de um ser humano inocente e sem manchas, você foi condenado. Seu colo foi equiparado a um instrumento de tortura e angústia, daqueles que a galera da idade média usava pra tocar o terror. Você sente o peso de cada lágrima derramada pelo Enzo. Será que as pessoas vão esquecer sua ousadia em querer se aproximar de uma criatura imaculada, sendo você o crápula que é? Só o tempo dirá, parceiro.

    Já fazem quinze minutos que você terminou sua fatia de Frango com Catupiry, e o garçom não voltou pra perguntar se você quer uma fatia de Lombinho. É. Talvez você seja uma pessoa horrível.

  • O dia em que o zelador da escola pensou que eu fosse um matador de aluguel à paisana

    O dia em que o zelador da escola pensou que eu fosse um matador de aluguel à paisana

    escola

    No colegial eu tive a oportunidade de estudar num dos colégios mais legais da cidade, e lá eu fazia parte do Clubinho do Metal (a gente não se chamava assim. Acredito que fosse “Diabretes do Augúrio Pantanoso”, ou algum nome que você esperaria de adolescentes de 16 anos que pagam de barra pesada mas chegam em casa e pedem pra mãe fazer um Nescau morninho). Em certa ocasião, um dos membros do Clubinho ganhou um CD de Rap chamado Entre a Adolescência e o Crime, e levou para que pudéssemos apreciar o material.

    Todos concordaram em destruir o produto, então fomos a uma espécie de varanda da escola, onde eu puxei o disco e o arremessei numa parede ao lado de uma porta, com a destreza de um atirador de facas circense, mas sem a força para quebrar a parada de fato (imaginei). Enquanto o reluzente CD viajava pelo ar, o zelador da escola abriu a porta e acompanhou lentamente o disco se chocar contra a parede e destruir-se de maneira hedionda em pelo menos 79 pedaços.

    Gentleman que sou (e com a calça borrada pois o CD havia se quebrado apesar da minha intenção de não fazê-lo E por ter sido pego no flagra por uma autoridade estudantil), me prontifiquei a limpar imediatamente a bagunça e me desculpei com o zelador (também não me lembro o nome dele. Devia ser Pedro, então o chamarei daqui em diante de Sr. Antonio).
    O sr. Antonio era uma figura pacata e benevolente, assim sendo, aceitou minhas desculpas ao som do riso dos galhofeiros ao fundo.

    Mas não acabou por aí. Pro fim do intervalo, um amigo inspirado por minha façanha decidiu arremessar a caixinha do álbum no andar de baixo. Eu olhei pela varanda e a cena não foi das melhores. A embalagem espatifada pairava a poucos centímetros do zelador, que me olhou de volta, assustado. Eu queria muito rir, mas a partir daquele momento, o autor do atentado havia sido eu, na cabeça do sr. Tony (ó que moderno o apelido). Constrangido, apesar da inocência, voltei para a sala de aula.

    Me sentei ao lado de uma das janelas. Um erro imperdoável nesse dia. Nossa sala ficava no segundo andar, e estava muito calor. Durante a aula, já esquecido do meu ato terrorista, fui abordado pela moça que sentava na carteira atrás da minha, me pedindo licença para abrir a janela (que era dessas de abrir na diagonal). Antes que eu respondesse qualquer coisa, ela empurrou a janela e, para o espanto de ambos, o vidro se soltou e caiu no andar de baixo, fazendo um estrondo colossal. Curioso, olhei para baixo, visualizando o sr. Antonio me observando com a maior cara de pavor com a qual um ser humano já me olhou.

    Antonio nunca mais quis ser meu amigo.

  • Microconto #2: Medidas extremas em ciladas de supermercado

    Microconto #2: Medidas extremas em ciladas de supermercado

    Você vai ao mercado e se depara com um balcão de amostras grátis.

    -Bom dia! Quero te apresentar uma novidade. Gostaria de experimentar nosso novo bolo?
    – Fica pra próxima, ok? Agradeço! Muito gentil, mas agora eu não quero bolo.
    -Mas tá gostoso o bolo. Pega bolo.
    -Valeu! Não to a fim de bolo.
    -É novidade o bolo
    -Não gosto de bolo
    -fresquinho o bolo
    -já jantei, não quero bolo
    -top o bolo pega bolo
    -obg n quero bolo
    ó o bolo
    sai bolo
    bolo toma o bolo
    tchau bolo
    delicia de bolo
    para blo
    come o bol

    você pega o bolo morde o bolo joga o bolo no chão

  • Minha curta, porém brilhante, carreira como jogador de futebol

    Minha curta, porém brilhante, carreira como jogador de futebol

    ludopedio

    O ser humano, desde as eras mais remotas, sempre buscou superar seus próprios limites físicos. Foi munido deste raciocínio que, com 8 ou 9 anos de idade (não me lembro), me interessei por esportes, mais especificamente o ludopédio, famosa modalidade em nosso país.

    Eu gostava tanto de futebol que cheguei a encher um caderno com desenhos, escalações fictícias, notícias e comentários de jogos. Dizia que cada página era uma transmissão do meu canal de TV sobre esportes.

    Eu queria muito começar a treinar, e então cogitei as posições que poderia exercer. Se você me conhece tempo o bastante, sabe que eu sempre tive esse corpo alto, esguio, viril e sensual. Após avaliar as possibilidades que minha compleição física permitia, decidi que a melhor escolha seria atuar como goleiro. Pedi de aniversário as luvas de proteção e uma matricula na escolinha local (que era no Sesi). Meus pais me apoiaram nesta nova empreitada e logo eu estava pronto para me tornar uma verdadeira muralha em frente às redes.

    Mas houve um problema. Não havia uma turma da minha idade, e eu teria de jogar com meninos entre 15 e 17 anos se quisesse participar dos treinos. Como eu sempre ri na cara do perigo e nunca temi grandes desafios, fui mesmo assim. Não havia espaço para a pequenez em minha promissora carreira futebolística.

    Eu só não contava com uma coisa. Como você deve estar imaginando há uns 2 parágrafos, eu era um completo e incorrigível desastre esportivo. De todos os adolescentes da escolinha, o melhor era o Diego, de 18 anos (uma década mais velho que eu), e esse doutor da alegria adorava chutar tão forte quanto podia quando eu estava no gol. Fiz uma auto promessa de que defenderia um chute dele até que eu saísse do futebol (sim, depois de dois meses de aula e absolutamente nenhuma defesa em nenhum jogo, eu já queria sair fora do esporte).

    Uma curiosidade é que eu adorava beber Tampico na época. Todo fim de treino eu tomava uma garrafinha deste licor sub-satânico (o que justifica de certa forma minha performance pífia nos esportes). Este é o único suco do mundo que tem textura. É uma parada gosmenta e pantanosa. Suspeito que seja fabricado na mesma fábrica da Dolly, ou seja, no Inferno.

    Pois bem. Chegou a aula em que eu já tinha decidido mentalmente que seria a minha última. Creio que com pena de minhas habilidades rudimentares, o professor me colocou pra ficar no ataque num dos jogos. A partida entre o time de colete azul (que chamarei de Time Azul) e o time de colete vermelho (que chamarei de Time Cinza) foi disputadíssima. O Time Azul (ao qual eu pertencia) estava perdendo. No último minuto, conseguimos passar pela defesa do Cinza, e o outro atacante do Azul arriscou seu último chute. A bola iria pra fora, não fosse o fato dela ter batido acidentalmente em mim, enganado o goleiro e criado o que foi o primeiro gol da minha vida. Sucesso. “Ah, Rafael, seu grande pateta” – você deve estar pensando – “a mim você não engana. Serviu de cone e tá pagando de Pelezinho boleirão aí?”. Exato! Nas palavras do professor, o gol foi meu, e como todos sabemos, o respeito aos professores é a base de todo bom adulto. Mas divago. Com o empate do Azul, o Cinza foi forçado a decidir a partida conosco nos pênaltis.

    O empate nos pênaltis continuava. Entre gols e defesas, a partida parecia longe de acabar. A concentração de todos os meninos era absoluta. Azul marcava, Cinza marcava, Azul defendia, Cinza defendia. Ninguém queria perder um lance sequer. O atacante Azul marcou um gol após uma perda do Cinza na cobrança anterior. Ou seja, se o Cinza perdesse o gol agora, o Azul se consagraria vencedor daquela partida. Todos apreensivos. Silêncio. O garoto que estava no gol do nosso time sugeriu em tom de brincadeira que eu assumisse a posição, já que havia dado sorte no gol de empate (aquele que eu fiquei parado e a bola bateu em mim). Eu aceitei e fui em direção ao gol. Quem se dispõe a bater a cobrança para o Cinza? O Diego, claro. As primeiras piadas de melhor VS pior ou Golias VS Davi já podiam ser ouvidas entre os galhofeiros. O rapaz tomou distância pra chutar e eu, com medo da pancada, fechei os olhos. Ao ouvir o barulho do chute, eu pulei pro que foi a minha primeira defesa desde o começo das aulas. Júbilo! Triunfo! Regozijo completo! Todos os azuis comemoraram como se fosse final de Copa. A cena foi exatamente isso aqui: https://www.youtube.com/watch?v=9uS30JRbT_8 , incluindo a comemoração do Marcos que, como bom palmeirense, fiz questão de copiar.

    Aquela foi minha última participação na escolinha de futebol e, consequentemente, minha aposentadoria esportiva. Como todo bom ídolo, parei no auge. E nunca mais bebi Tampico.

  • O dia em que me passei por babaca por causa de um Super Trunfo

    baralhinho do capeta

    Quando criança eu era um grande apreciador de festinhas infantis. Os balões coloridos, a música feliz interpretada por alguma apresentadora de TV loira, os salgadinhos, a decoração de isopor colada na parede, os amiguinhos da escola reunidos sem a premissa de adquirir conhecimento… esses eram alguns dos ingredientes que tornavam as festas de aniversário em momentos mágicos extremamente aguardados pela grei mirim, tal qual o sorteio da Tele Sena é aguardado pelos aposentados.

    Certo dia meu melhor amiguinho na época (estávamos todos completando 10 anos) me convidou para comemorar sua primeira década de existência. “Meu aniversário vai ser de helicóptero”, me informou ele sobre o tema da festa. Munido de um Super Trunfo de helicópteros para presenteá-lo (todos os garotos da minha sala na escola colecionavam Super Trunfo. Guarde esta informação), fui com minha mãe para a casa do menino, onde seus familiares e os demais gazelos que estudavam conosco se encontravam. Passamos horas jogando Super Trunfo até que alguém nos informou que era o momento dos parabéns. Cantamos o consagrado hino, desejando muitas felicidades e anos de vida ao colega, voltando no segundo seguinte ao jogo, que estava disputadíssimo.

    Enquanto eu surrava a molecada no Trunfo, ganhando a rodada por conta do alto valor de cilindradas da moto ilustrada em meu card (ok, confesso. Essa parte das cilindradas eu inventei pra parecer mais descolado. Não lembro qual a jogada exata e muito menos se eu estava vencendo. Agora pare de me importunar questionando detalhes e me deixe continuar a história. Que coisa!) o querido amigo chegou com um pedaço de bolo nas mãos e me ofereceu. Àquela altura eu já estava empanturrado de brigadeiros e coxinhas, então agradeci e recusei educadamente (sempre fui um gentleman, mesmo na época em que nem sabia como se soletrava essa palavra). Ele voltou cabisbaixo para a cozinha, mas sequer percebi o que havia acabado de fazer. Ao chegar em casa, minha mãe me perguntou o porquê de eu não ter aceito o bolo, pois o garotinho separara o primeiro pedaço para mim (calma! Essa ainda não é a pior parte).

    Semanas depois foi a minha vez de ficar menos novo. Meus pais decoraram a casa com o tema “101 Dálmatas”. Chamei todos os contatos do meu network para participarem das festividades. Me lembro de ter cogitado usar um terno na festa, mas nunca tinha visto criança de terno, então achei que isso não existia e desisti da ideia. Chegado o grande dia, aquele mesmo amigo do bolo me deu de presente um pequeno pacote retangular. Ao rasgar o embrulho, um bonito trator amarelo estampava a capa do Super Trunfo de tratores. Como a única razão desse texto existir é relatar uma desgraça, você já deve ter imaginado que eu já tinha esse baralho. E eu tinha mesmo.

    Um dos amigos que sabia disso, movido pela satanagem, sugeriu: “ei rafa mim da ese supre trunof repitido kkkkkkk”. Em minha inocência infantil, não vi maldade naquilo e entreguei o brinquedo ao menino, causando instantaneamente um choro compulsivo em meu melhor amiguinho. Meu pai me falou pra pedir desculpas e trocar o Trunfo com o amigo #2, ficando com o novo pra mim, mas já era tarde.

    Nunca mais ganhei outro Super Trunfo.

  • Estou gripado

    gripadão

    Estou gripado.
    E eu não curto estar gripado.
    Sério, eu preferiria ter outra apendicite (se isso fosse biologicamente possível) do que ficar gripado, e o motivo é muito simples. Quando você é submetido a uma cirurgia, ganha uma série de histórias pra contar. Torna-se alguém mais interessante e admirável aos olhos de seus semelhantes (ou não tão semelhantes assim, caso você possua uma beleza muito acima da média, como eu). Você até faz amigos por causa da cirurgia. O fato de ter sobrevivido não apenas a terrível uma doença letal, mas a seres humanos mascarados e desconhecidos (veja, eles sequer teriam intimidade para lhe pedir um dinheiro pra comprar coxinha) cortando seu corpo com lâminas altamente afiadas e destrutivas, manipulando suas entranhas com todo tipo de instrumento (até com fogo em alguns casos!) e adicionando substâncias alheias a seu sangue diretamente em suas veias, te tornam em uma verdadeira lenda viva da resiliência e da vitalidade. Você poderia ter perecido diante da dor agonizante, poderia estar contando aquela piada do rato caipira pro Zé Wilker, poderia estar trocando figurinhas da Copa com seus antepassados no Paraíso (falta só o Messi pro seu tataravô completar a Argentina), mas agora está caminhando triunfantemente pelos corredores do hospital (ok, com aquele aventalzinho verde-água que deixa sua bunda de fora, mas esse é um mero detalhe diante da glória e do esplendor obtidos em sua jornada), tal qual os fabulosos heróis das epopeias homéricas.


    No entanto, se você está gripado, é uma mera vítima, uma criatura frágil, cinzenta e digna de pena. Fica devagar, preguiçoso e grudento. As pessoas te olham de canto a cada espirro babado, chegam a duvidar da competência de seu sistema imunológico e a confiabilidade de sua compleição decai drasticamente. Gripe é uma doença tão tranqueira que não dá nem pra usar como xaveco pra deixar a garota se sentindo preocupada com o bem estar de seu amado. Imagine você chegar naquela mocinha que tá te dando mole e revelar que está gripado.

    -Olá, fabulosa dama, cuja beleza é digna de todos os louvores.
    -Oieeee, Rafaaa! Tudo beeeeem?? Saudadeeees *_____*
    -Sdds tbm. Pô, eu tô mó gripado, linda
    -Aiiin, que droga, né?
    -Pode crer.
    -Pois é.
    -É…
    [Mocinha Bonita está offline]

    É um lance tão zoado que as pessoas querem te ver bem porque apenas assim você não as deixará gripadas também. Você se torna uma batata quente em forma de mamífero bípede. Chateia seus amigos, familiares e colegas de trabalho toda vez que precisa limpar o nariz das substâncias pantanosas que o alagam.

    Sério, eu detesto ficar gripado.

  • Microconto #1: Intolerância a incompreensão em churrascos

    churras

    -Tem espetinho de quê?
    -De carne e de frango.
    -Me vê um de carne de frango.
    -De quê?
    -De carne de frango.
    -De carne ou de frango?
    -De camarão, por favor.

  • O dia em que um anão me superou na arte do romantismo

    007

    Então. Eu sou bunda mole pra caramba no que diz respeito a atividades radicais. Mas não é aquele medo tipo “oooooohhh! Que meeeedo”, é aquele medo tipo “MEUDEUSSSSSQUELOUCURAMETIRADAQUICADÊMINHAMÃE”. Sério, se tivesse uma equação pra medir a flacidez dos meus glúteos em momentos de adrenalina, ela seria “medo = altura do rafa² x medo de cachorro x medo de calopsita” (Sim, eu sou um cara de 2 metros de altura e tenho medo de cães e aves que sejam muito agitadas. Não julgue, é feio).

    Agora que você sabe que eu sou este medrosão a la Scooby Doo, aí vem o plot twist da coisa: eu gosto muito de ir ao Hopi Hari. Muito mesmo. Sempre que eu tenho dinheiro e alguém me convida, estarei lá. E antes que você venha dizer “Ah, Rafael, seu grande pateta! A mim você não engana. Acabou de dizer que é cagão e agora vem com esse papinho?”, eu explico. Tenho uma tática que consiste em pegar a fila dos brinquedos hardcore com meus amigos e, ao chegar na minha vez, pulo pro outro lado e saio junto com quem está saindo da atração, evitando assim o constrangimento público de ser um amarelão. Sempre foi tudo ok, mas houve um dia em que as coisas não deram muito certo pra mim. Quando eu tinha uns 18 anos, pressionado por meus amigos que queriam demais me ver em algum brinquedo emocionante, topei ir ao barco viking. “É só uma gangorra gigante”, pensei equivocadamente. Enquanto conversava com o pessoal na fila, notei que havia um anão no aglomerado. E não notei pela altura dele, mas pela altura da fala. O anão parecia uma versão hobbit do Sergio Mallandro. “Este anão ainda me prejudicará de alguma forma”, previ.

    Quando chegou minha vez, a tática para superar aquela situação-limite (lembre-se: eu sou bunda mole e tava com as pernas tremendo) foi sentar na fileira mais próxima do centro do barco, que parecia se mover menos. O anão galhofeiro já foi pra ponta do brinquedo, sugerindo ao operador que fizesse o barco viking girar 360°. Antes que eu pudesse jogar meu sapato nele, uma belíssima moça sentou-se bem à minha frente, no lado oposto do brinquedo. Com cabelos sedosos e um sorriso mais encantador que o luar na primavera, todo o meu medo parecia diminuto perto da beleza arrebatadora dela. E a distância entre nós era pouca, o que facilitava a troca de olhares. Era como uma visão do Eden, coroada pela luz resplandecente de mil estrel… EITA! LIGARAM O BARCO! Apreensivo, segurei firme na trava de segurança. Meu estômago imediatamente me odiou. “Segura essa náusea aí, Brad Pitt. Quero ver você xavecar agora kkkkk”, ouvi ele ironizar baixinho. Fixei meu olhar num único ponto para evitar que o pior acontecesse. Esperto, escolhi como ponto os olhos da moça, que também ficou olhando para mim enquanto gritava junto com a galera: “BOTA PRA SUBIR! BOTA PRA SUBIR!”

    Mas havia uma voz destoando do coro. Era o anão. “VAI MAIS ALTO! TÁ MUITO DEVAGAAAAAAR”, ele urrava. Não parava de gritar por nada, sempre atiçando o funcionário do parque a aumentar a força do negócio. O desgraçadinho tava fazendo uma espécie de stand up enquanto balançávamos pelos ares, e todo mundo no fundão ria das coisas que ele falava (queria reproduzir as piadas dele aqui, mas infelizmente eu só consegui entender os berros) Quando o balanço do barco estava chegando ao fim, o pequenino berrou que queria ir mais uma vez, sendo acompanhado no pedido pelos demais ocupantes. O funcionário disse nos falantes que ia ligar de novo, e pediu que quem quisesse sair erguesse os braços. As células do meu corpo gentilmente avisaram: “nós não nos importamos se vai ser no banheiro ou no sapato da bonitona, mas você VAI vomitar”. Apenas eu ergui os braços. Fui vaiado pela multidão. Saí triste e cabisbaixo, não sem antes dar uma última olhada para a maravilhosa garota e ver o anão ocupando meu lugar e dizendo algo que fez a jovem rir enquanto ele ajeitava a trava do meu ex-assento em volta de sua mini cintura. E, antes que eu esqueça, a náusea passou assim que coloquei os pés no chão. Nunca mais vi aquele alopradinho, mas com certeza ele está se divertindo mais do que nós todos nesse momento.

    Lição: Nunca duvide que alguém menor que a sua perna possa lhe passar a perna.

  • Minha tese de mestrado sobre preconceito e surfistas do Leblon

    Minha tese de mestrado sobre preconceito e surfistas do Leblon

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    O injusto julgamento da sociedade contra a figura lendária de Felipe Dylon afastou as pessoas de um dos maiores românticos que este país já conheceu. Um verdadeiro mártir da MPB, que cantava seus sentimentos de maneira honesta e direta. Numa época onde “quando eu te pegar você vai ficar louca” é um cortejo amplamente aceito nas rodas de paquera, o lirismo do Sr. Dylon nos remete a um amor sincero e praiano, muito mais gentil com as damas do que as canções da moda atual, elevando a figura da mulher a um patamar até antes intangível. Onde olhos comuns viam apenas uma garota qualquer, Felipe enxergava uma fascinante dríade do litoral, cuja beleza excedia o valor de 29 Camaros, 13 apartamentos no Leblon e 9 noites no camarote com direito às bebidas que piscam.

    Um cara que ia à praia diariamente apenas para ver a mulher de seus sonhos, que ficava no sofá em casa se questionando sobre o bem estar da amada e como poderia se aproximar dela para poder cuidá-la e que, de tantas coisas para pedir, pediu apenas que “Ô, menina, deixa disso, quero te conhecer. Vê se me dá uma chance, tô a fim de você” não é nada senão um grande poeta e um grande referencial para todos os jovens solteiros que almejam o coração de uma bela dama.

    Muito obrigado pela lição de vida, Felipe.

  • Comecei a ouvir música clássica no trânsito

    Comecei a ouvir música clássica no trânsito

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    Uma experiência que estou gostando muito de fazer nesses tempos é ouvir música clássica no carro. Mas ouvir na altura do mais hediondo e inescrupuloso funk pancadão.

    Entre buzinas e roncos de motor nas congestionadas ruas jundiaienses, as sublimes sinfonias chamam a atenção dos demais motoristas. Ninguém consegue acreditar que um de seus semelhantes está ouvindo clássicos atemporais da música ocidental em seu automóvel. É como se eu estivesse transgredindo a lei de que apenas canções com teor popozístico (segundo o dicionário Rafaurélio: adj. Relativo aos popôs ou obras musicais que fazem referência ao bailar das popozudas) são aceitáveis na etiqueta rodoviária. É a ojeriza humana sendo trucada (6, MARRECO!) pela delicadeza e maestria da arte.

    A galhofa é ainda maior quando os motoristas indignados olham de rompante para meu veículo a fim de identificar o desaforado terrorista sonoro. Neste momento faço uma amadora, porém realística expressão de arrebatamento, enlevo e êxtase ao som de violinos, tubas e clarinetes. Um regozijo completo digno daquelas noveletas do SBT que você assiste escondido.

    MC Guime ficaria desgostoso da vida ao saber que ao invés de executar faixas musicais dizendo que o Rafael “tapa tapa tá patrão”, que estou “contando os plaquê de 100” e que “sou o sonho de consumo da sua filha” a bordo de meu humilde, porém soberbo (e alheio a qualquer ostentação) Uninho 2006 duas portas, estou ouvindo Danse Macabre, Claire de Lune e os Concertos de Brandenburgo.

    Parafraseando Ataíde Patreze, “simplesmente um luxo”.

  • Eu não falo com estranhos

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    Eu também não, mas, como quero que você passe a frequentar este meu blog, decidi começar com um texto que me apresenta, assim você já pode dizer que conhece um pouco de mim.

    Pra quem gosta dos meus textos, esse aqui que vou postar foi o primeiro “humorístico” que escrevi. Sempre gostei de escrever textos com piadocas aqui e ali, mesmo que fossem com temas sérios, mas este foi o primeiro com 100% de intenção de ser engraçado (fez sentido essa frase? Não, mas se concentra na leitura, cara. Se concentra!). Na época eu tinha 20 anos (quase ontem) (sério) (toma essa sequência de 3 parêntesis seguidos na sua cara), e meu anseio primário na vida era ter uma estátua de mármore do Silvio Santos com olhos de Esmeralda na porta de casa – o que não mudou nada, confesso. Naquele dia achei que seria cômico invocar minhas habilidades de escrita de maneira a confeccionar uma breve auto-biografia pautada fielmente na realidade e na veracidade dos fatos, embora hoje eu particularmente não ache esse meu texto grandes coisas. Não sei se de lá pra cá eu fiquei mais aloprado (na verdade eu sei, mas estou tentando criar uma introdução instigante), mas foi bem legal ter reencontrado essa galhofa literária no meio dos meus arquivos. Segue:

    “A auto-biografia de Rafael Zago”:
    Rafael Zago nasceu no município de Jundiaí – SP, no dia 31 de Agosto de 1990. É solteiro, palmeirense, democrata, protestante, headbanger e heterossexual.

    Desde pequeno, Zago se destacou por suas atividades artísticas, como atuações de figurante em pegadinhas (trabalhando com grandes nomes, como João Kléber), dublê do personagem “Jacaré” em “A turma do Didi” e operador do fantoche “Capachão” em “TV Colosso”. Rafael também atuou como dublador nas versões iraquianas e polonesas de “Sai de Baixo”, “Topa tudo por dinheiro” (dublando os personagens Roque e Liminha), “Domingo no Parque”, “Domingo da Gente” (dublando os personagens James e Mano Charles da Microcamp), “Chaves” (duas pequenas participações, dando voz ao ator Hector Bonilha e ao personagem Sr. Furtado) e “Eliana & Alegria” (desta vez como Melocoton, Chiquinho e Vovô Alegria).
    Rafael Zago também participou como “Caminhoneiro 7” e “Capanga 2” na primeira versão do seriado “Carga Pesada” e “Amante” no episódio 9 da 2ª temporada de “Você Decide”.

    Porém, nem tudo foram flores na carreira deste singular artista. Entre 2001 e 2008, Rafael começou a ficar sem espaço na mídia. Ele chegou ao fundo do poço participando como figurante do humorístico “Zorra Total” de Dezembro de 2004 a Fevereiro de 2007. Isso o deixou abatido, mas não o fez parar. Nas palavras do artista: “O esquema é assaltar o assaltante.”

    Depois de tentar a vida na comédia Stand Up (com o texto “Guaraná Dolly e o bem estar”) e frustradas tentativas nos programas “Fama”, “Ídolos” (quando este ainda era propriedade do SBT), “O grande perdedor” (programa no qual Rafael QUASE alcançou a vitória, perdendo a final para Dado Dollabela) e “Qual é o seu talento?”, em 2010 veio a chance que Zago tanto aguardava em sua carreira: Com um contrato inédito e meteórico com as gigantes Globo e Nike, Rafael foi à Copa do Mundo representar os personagens “Dunga” e “Felipe Melo”, obtendo gigantesca repercussão na mídia global (e aqui eu, o Rafa de 2014, faço um adendo: Essa piada, pra quem não se recorda, foi por uma burrada que o tal do Felipe Melo fez na última Copa. Não me lembro exatamente o que foi, mas era o equivalente ao gol contra do Marcelo no primeiro jogo da Copa deste ano. Grato pela atenção).

    Hoje, Rafael Zago se prepara para voltar aos palcos com as peças “A vida e obra de Alexandre Frota” (pequena opereta onde o ator é cotado para o papel principal), “O bacon e a menina” (peça que Rafael escreveu, e irá dirigir e produzir) e o grande clássico que está sendo aguardado por milhares de fãs: “Canto melhor que Felipe Dylon”. Na TV, o paulista estuda propostas dos programas “Sábado Animado”, “Super Pop” e o tão esperado “Tiririca’s Late Show”.