Dia desses encontrei um conhecido e, papo vai, papo vem, notei que havia uma frase na camiseta de sua esposa.
Amo aforismos como se ama um dia de sol na praia ou o cheiro de gasolina num posto de combustível. A questão é que não consegui ler os dizeres na camiseta, e aí entrei num dilema moral sem precedentes na história do interior paulista.
Sendo eu um caipira de alto gabarito, fiquei com vergonha de perguntar que frase era, e também não queria que pensassem que eu estava lançando olhares indiscretos para a mulher.
Alguma vez você já se sentiu como um boneco que apenas faz que sim com a cabeça e dá risada nos momentos certos da conversa enquanto sua mente está tão longe que nem tem mais Frango Assado na estrada?
Não sei se alguém que enxerga com os dois olhos teria mais facilidade na missão de descobrir a frase na camiseta sem ser notado, mas minha solução monocular foi dar micro-olhadas entre uma risada e outra.
Você sabia que a visão humana é capaz de identificar formas em pouco mais de 10 milissegundos? Eu também não sabia, mas utilizando-me de toda a velocidade do meu olho direito, identifiquei a frase.
“Hell is other people”.
Gosto de acreditar que a mulher não sabia que suas vestes declaravam que o inferno são os outros. Não é todo dia que você entra em uma loja perguntando se eles ainda têm peças da coleção Jean Paul Sartre verão 2019.
Intencional ou não, fiquei pensativo sobre o aforismo. Aqui, sim, deixo minhas sinceras desculpas ao casal de conhecidos. Se eu já estava longe, nesse momento fiquei realmente MUITO longe da conversa. Nesse momento eu estava aqui, escrevendo esse texto.
Quando se fala em inferno, lembro da crença cristã, que descreve o Inferno como um local de dor e sofrimento, um local afastado de Deus. Isso também se encaixa no sentido dessa frase, na minha opinião.
Sendo você um poço de autoestima ou alguém que pensa todos os dias em morrer, todos temos algo em comum: Tendemos a manter nosso ponto de vista sempre em primeiro lugar. Somos, cada um em um nível, nossos próprios deuses quando se trata do que é importante para nós.
Não quero fazer uma alegoria religiosa, apenas dizer que, em algum ponto, todos temos um pouco (ou um muito) de egoísmo.
Dizer que o inferno são os outros faz muito sentido quando você percebe que, lidando com outra pessoa, lá no fundo, você está lidando com um lugar afastado de você, do seu próprio deus. E isso não vale apenas para desafetos, mas para amigos e familiares também. Eu sou o inferno para você, e você o é para mim.
Muitas vezes, dói saber o ponto de vista do outro. Nós sofremos com algumas coisas que os outros dizem ou fazem. Lidar com gente pode ser muito bom, mas vai trazer complicação hora ou outra, e é aí que entra a segunda parte dessa metáfora.
O homem não foi criado para o Inferno, mas para estar perto de Deus, para se relacionar com ele. Sendo assim, podemos trazer isso para o nosso dia a dia. Pode soar inverso do que eu disse até agora, porém o homem não foi criado para si, mas para estar perto dos outros, para se relacionar com eles.
Podemos não ser divindades, mas é possível sermos braços, pernas e voz do divino.
É isso.
Quando me chamar pra um café, vista uma camiseta branca, sem desenho e, principalmente, sem frases.
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