Elevadores, partos e pseudo-intimidade com vozes do outro lado da linha: o mundo sob os olhos de uma vítima traumatizada

O mundo sempre tenta nos preparar para o que há de mais pantanoso e hediondo. Quando você tá no ensino médio é aquele papo de “na faculdade o professore nem escreve na lousa. Ele vai te humilhar na frente da sala e postar uma foto das tuas lágrimas no Flogão dele. Não é papinha na boca igual aqui, não”. Já na faculdade vem o famigerado “o mercado de trabalho é pior que o programa da Sonia Abrão. Se você não fizer o que te mandarem, o chefe vai te colocar pra vender CD pirata do Jorge e Mateus na Estação da Luz”. São pressões psicológicas dignas dos melhores João Klebers (Jooes Kléberes?).

Acontece que a vida é esse meliante que espreita nas esquinas. A vida fica nesse vou-pra-cá-vou-pra-lá-vou-pra-cá-vou-pra-lá e quando você olha pra ela achando que é um assalto, na verdade é só alguém querendo te vender TelexFree, ou algo pior. Não dá pra prever o que a vida vai te proporcionar, mesmo nas situações em que você, com sua falta de fé, tem certeza que vão acabar com alguém ouvindo Pablo e chorando toda vez que lembrar da sua história.

Uma dessas situações-limite aconteceu comigo numa das vezes que fiquei preso num elevador (a primeira vez, pra ser exato) em 2012. Era minha volta do almoço, e como tenho pouco carinho por filas, decidi pegar um dos elevadores mais “escondidos” do prédio onde trabalhava. Nesse momento, meus inimigos soltaram um brado de júbilo por minha péssima escolha.

O regozijo completo que o almoço me proporcionou foi substituído por uma sensação de curiosidade quando o elevador parou de subir no quinto andar. Puxei o interfone.

-Oi. Meu elevador está parado tem um tempinho.
-Qual elevador?
-Tô acenando aqui pra câmera.
-Se forem os elevadores do fundo, as câmeras não funcionam.

Ótimo. Fiquei fazendo carinha de quem tá gostando demais à toa. Depois de descrever qual dos elevadores era, recebi instruções para aguardar a porta se abrir. Ela se abriu, e na frente dela havia uma parede. Fantástico! Eu estava entre dois andares.

-Então, moça, meio que tem uma parede na minha frente.
-Ixe! Vamos ter de chamar os técnicos, mas eles vêm de Campinas (40 minutos de viagem).

Fiquei lá sentado, aguardando meu destino. Me questionei se eu era claustrofóbico, mas acho que se fosse já estaria gritando e tentando morder as paredes. Meu passatempo seguinte foi tentar pensar na pose mais estilosa possível que poderiam me encontrar quando o socorro chegasse. O interfone tocou.

-Fala, Rafinha (já estávamos íntimos)! Tudo em cima, meu bon vivant? Entendeu? “Em cima”. Hahaha (e intimidade é algo que você definitivamente não deve dar pra qualquer pessoa). Vamos ter de desligar a energia, ok? Assim não tem perigo de mexerem no elevador com você dentro. Tudo nosso, meu querido!

Segundos depois, o elevador ficou completamente escuro. Nem a tvzinha com notícias repetidas e curiosidades do chocolate Surpresa perdoaram. Meu plano da pose foi arruinado. Preso sozinho entre dois andares num elevador defeituoso e completamente no escuro. Sou um tanto teimoso, mas se você sugerir que esse não era o melhor dos momentos, pode ser que eu concorde.

Depois de 30 minutos de contemplação (fora os outros 40 de espera pelos técnicos), aquele elevador era praticamente meu santuário, tamanho o nível das meditações praticadas ali. E foi nessa atmosfera sagrada que presenciei o que parecia o milagre da vida. Aos poucos, um facho de luz vertical se formava em minha frente, com o elevador dando leves trancos. A luz vertical foi se expandindo devagar, de forma que eu pensei estar literalmente nascendo de novo.

Formas e cores se revelaram a mim, mostrando um rosto. Não o de um médico pronto para me puxar de lá e bater no meu bumbum macio até eu chorar, nem o da minha mãe sorrindo com os olhos brilhando, mas o da zeladora mal humorada.

-Sabia que era você, Zago.

Reparei que havia algo errado: colocaram o elevador no quarto andar. A agência onde eu trabalhava era no sétimo. Como boa vítima se recuperando de um grande trauma, entrei no elevador ao lado.


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