O ser humano, desde as eras mais remotas, sempre buscou superar seus próprios limites físicos. Foi munido deste raciocínio que, com 8 ou 9 anos de idade (não me lembro), me interessei por esportes, mais especificamente o ludopédio, famosa modalidade em nosso país.
Eu gostava tanto de futebol que cheguei a encher um caderno com desenhos, escalações fictícias, notícias e comentários de jogos. Dizia que cada página era uma transmissão do meu canal de TV sobre esportes.
Eu queria muito começar a treinar, e então cogitei as posições que poderia exercer. Se você me conhece tempo o bastante, sabe que eu sempre tive esse corpo alto, esguio, viril e sensual. Após avaliar as possibilidades que minha compleição física permitia, decidi que a melhor escolha seria atuar como goleiro. Pedi de aniversário as luvas de proteção e uma matricula na escolinha local (que era no Sesi). Meus pais me apoiaram nesta nova empreitada e logo eu estava pronto para me tornar uma verdadeira muralha em frente às redes.
Mas houve um problema. Não havia uma turma da minha idade, e eu teria de jogar com meninos entre 15 e 17 anos se quisesse participar dos treinos. Como eu sempre ri na cara do perigo e nunca temi grandes desafios, fui mesmo assim. Não havia espaço para a pequenez em minha promissora carreira futebolística.
Eu só não contava com uma coisa. Como você deve estar imaginando há uns 2 parágrafos, eu era um completo e incorrigível desastre esportivo. De todos os adolescentes da escolinha, o melhor era o Diego, de 18 anos (uma década mais velho que eu), e esse doutor da alegria adorava chutar tão forte quanto podia quando eu estava no gol. Fiz uma auto promessa de que defenderia um chute dele até que eu saísse do futebol (sim, depois de dois meses de aula e absolutamente nenhuma defesa em nenhum jogo, eu já queria sair fora do esporte).
Uma curiosidade é que eu adorava beber Tampico na época. Todo fim de treino eu tomava uma garrafinha deste licor sub-satânico (o que justifica de certa forma minha performance pífia nos esportes). Este é o único suco do mundo que tem textura. É uma parada gosmenta e pantanosa. Suspeito que seja fabricado na mesma fábrica da Dolly, ou seja, no Inferno.
Pois bem. Chegou a aula em que eu já tinha decidido mentalmente que seria a minha última. Creio que com pena de minhas habilidades rudimentares, o professor me colocou pra ficar no ataque num dos jogos. A partida entre o time de colete azul (que chamarei de Time Azul) e o time de colete vermelho (que chamarei de Time Cinza) foi disputadíssima. O Time Azul (ao qual eu pertencia) estava perdendo. No último minuto, conseguimos passar pela defesa do Cinza, e o outro atacante do Azul arriscou seu último chute. A bola iria pra fora, não fosse o fato dela ter batido acidentalmente em mim, enganado o goleiro e criado o que foi o primeiro gol da minha vida. Sucesso. “Ah, Rafael, seu grande pateta” – você deve estar pensando – “a mim você não engana. Serviu de cone e tá pagando de Pelezinho boleirão aí?”. Exato! Nas palavras do professor, o gol foi meu, e como todos sabemos, o respeito aos professores é a base de todo bom adulto. Mas divago. Com o empate do Azul, o Cinza foi forçado a decidir a partida conosco nos pênaltis.
O empate nos pênaltis continuava. Entre gols e defesas, a partida parecia longe de acabar. A concentração de todos os meninos era absoluta. Azul marcava, Cinza marcava, Azul defendia, Cinza defendia. Ninguém queria perder um lance sequer. O atacante Azul marcou um gol após uma perda do Cinza na cobrança anterior. Ou seja, se o Cinza perdesse o gol agora, o Azul se consagraria vencedor daquela partida. Todos apreensivos. Silêncio. O garoto que estava no gol do nosso time sugeriu em tom de brincadeira que eu assumisse a posição, já que havia dado sorte no gol de empate (aquele que eu fiquei parado e a bola bateu em mim). Eu aceitei e fui em direção ao gol. Quem se dispõe a bater a cobrança para o Cinza? O Diego, claro. As primeiras piadas de melhor VS pior ou Golias VS Davi já podiam ser ouvidas entre os galhofeiros. O rapaz tomou distância pra chutar e eu, com medo da pancada, fechei os olhos. Ao ouvir o barulho do chute, eu pulei pro que foi a minha primeira defesa desde o começo das aulas. Júbilo! Triunfo! Regozijo completo! Todos os azuis comemoraram como se fosse final de Copa. A cena foi exatamente isso aqui: https://www.youtube.com/watch?v=9uS30JRbT_8 , incluindo a comemoração do Marcos que, como bom palmeirense, fiz questão de copiar.
Aquela foi minha última participação na escolinha de futebol e, consequentemente, minha aposentadoria esportiva. Como todo bom ídolo, parei no auge. E nunca mais bebi Tampico.
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