Esse texto foi originalmente publicado no mktdb.com.br, a convite do meu amigo Bruno Monteiro.
Oi, eu sou o Rafa!
O pessoal do MktDB me convidou para falar sobre um dos meus assuntos favoritos: contar histórias! Trampo com redação há uns 12 ou 13 anos, e embora já tenha escrito todo tipo de coisa, o storytelling é e sempre foi meu tipo favorito de texto.
Escrevi um mini-guia com algumas técnicas e ideias sobre o assunto. Tudo o que está escrito aqui é opinião minha. Não são regras ou mandamentos. Eu posso estar errado, mas também posso estar certo. Experimenta e me diz aí nos comentários!
Não quis esgotar nenhuma ideia, pelo contrário. Muito do que está aqui é para provocar um raciocínio, começar uma boa conversa. Vai ser ótimo saber suas experiências e opiniões!
“Que haja luz!” – O embrião do Storytelling
Há um gato magro sobre a cadeira de balanço. Ele olha fixamente para seu brinquedo favorito: uma bolinha verde que está sobre a mesa redonda.
O Stephen King disse algo muito bacana no seu livro On Writing. Pra ele, escrita é uma forma de telepatia, e eu concordo com ele.
Contar histórias é uma das melhores coisas que existem, e é permitindo que as pessoas enxerguem o que está na nossa cabeça e se identifiquem com isso é que está a direção correta para o sucesso de qualquer conteúdo.
Vamos voltar um pouquinho no exemplo. Talvez você tenha imaginado um gato laranja, ou um malhado. Olhos verdes ou azuis? E a cadeira de balanço? Estava em movimento ou parada? Ela era grande, com uma almofada vermelha em cima ou era pequena e surrada pelo tempo?
Mesmo sem detalhar todos os elementos da cena, aposto que todo mundo viu, essencialmente, a mesma cena na imaginação. Isso é telepatia. Isso é compartilhamento. Algo que antes pertencia apenas à minha imaginação, agora é seu também!
Em vários casos a riqueza de detalhes se faz necessária, mas a minha ideia aqui é mostrar que mesmo com técnicas super acessíveis é possível aprimorar o seu storytellng.
Escreva para a sua mãe
Conte uma história da sua vida para sua melhor amiga. Agora, conte para seu médico. Conte para uma criança da segunda série. Conte para o tio que você só vê no churrasco de ano novo. Percebe? A mesma história pode ser contada de inúmeras formas diferentes!
Se você pesquisar um pouquinho sobre Marketing Digital, quase de cara vai se esbarrar com a “persona”. Acho muito bom trabalhar pensando em uma persona ao invés de um público-alvo, mas quando falamos de storytelling, minha opinião é que podemos melhorar esse personagem verossímil criado com dados factuais e fazer um upgrade dele para a realidade.
Você muito provavelmente conhece alguém com as mesmas características da sua persona, ou pelo menos, características muito próximas. Pode ser uma prima, um colega de trabalho ou alguém que você conheceu jogando Tibia em 2010. Escreva uma história para essa pessoa.
Pode ser até que você já tenha sido aquela persona em um momento diferente da sua vida. Escreva uma história para você nesse passado.
Um bom exemplo disso é o Harry Potter. Repare como, a cada livro (ou filme), as preocupações e a mentalidade dos personagens acompanham um padrão comum do adolescente que cresce junto com os livros da série. Uma história que começa com aceitação num grupo e resquícios de uma infância difícil, acaba incluindo xavecos e até brigas políticas conforme a trama amadurece.
O vocabulário, a estrutura, o nível de detalhes, tudo isso muda de maneira significativa quando você escreve especialmente para uma pessoa (mesmo que milhões leiam aquilo). Deixa seu texto mais fluido e gostoso de ler. Essa é, talvez, a coisa mais importante numa história: que quem lê, se identifique e goste disso.
Não tergiverseis para com vossas responsabilidades lexicais
Falando em vocabulário, essa é outra dica importantíssima. Seja um dicionário de sinônimos ambulante! Para praticar, tente escrever uma mesma frase usando outras palavras equivalentes, gírias de diferentes épocas, regionalismos e jargões de nichos bem específicos.
Quando viu sua avó pela primeira vez, seu vô deve tê-la achado “um broto”, ou algo assim. Hoje em dia, o pessoal chama de, sei lá, “10/10”, eu acho. Saiba esses termos e use-os – se forem adequados – para tornar vocabulários técnicos e conceitos complexos em frases naturais para quem está lendo. O texto pode ser extremamente simplista ou verborrágico, não importa. Como storytellers, devemos ser capazes de construir raciocínios com qualquer tipo de palavra (isso, claro, se você quiser escrever para vários públicos. Se não for o caso, foque no seu nicho com toda tranquilidade do mundo!
No meu tempo, tudo era melhor
Atente-se ao zeitgeist, às modinhas e febres do momento. Quem faz isso muito bem são as duplas sertanejas. É sério.
Antigamente, as letras de sertanejo falavam sobre “causos”, histórias do campo e afins. Conforme foi se popularizando, o estilo se adaptou àquilo que fazia parte da vida de seus ouvintes. Hoje, as músicas falam do Instagram, da mensagem vista e não respondida no Zap, das marcas de carro e bebida que estão em voga. O bailão se tornou a balada.
Nesse ponto, o sertanejo (ou qualquer outra forma de arte, como o storytelling) é matéria-prima e produto, causa e consequência do público que o consome.
Onde eu quero chegar com todo esse bla-bla-bla: Um nicho pode absorver a lenda do androide cósmico Zyglrox, detentor dos poderes da plasmosfera. O grande público, por sua vez, vai preferir saber sobre o churrasco do Zeca no Guarujá.
Todo mundo tem sua parte nicho e sua parte grande público quando escolhemos o que consumir, e não é diferente com os temas das histórias que gostamos.
Essa característica do storytelling é gêmea do vocabulário que eu comentei lá em cima. Os personagens, locais, acontecimentos, ideias e a moral (ou falta dela) precisa fazer sentido para quem lê.
Saiba quem é Vampeta, quem é o Luis Fonsi. Conheça o trabalho do Mister M e do Mazzaropi. Ouça uma música do Debussy e uma do Now United. Leia sobre Heráclito, Paulo de Tarso, John Locke e Mário Sergio Cortella.
Não precisa gostar de tudo, mas ter essa curiosidade e esse repertório é uma medalha de ouro para qualquer storyteller.
Observar o cotidiano, inclusive, é uma fonte de ideias praticamente infinita quando você aprende duas habilidades importantíssimas: combinar e adaptar.
Criar é como montar Lego
“Eu queria muito fazer storytelling, mas não sou uma pessoa criativa”. Se você pensa assim, trago boas notícias!
Criatividade é uma habilidade, e como qualquer habilidade, pode ser aprendida e aperfeiçoada. Um exercício simples que pode te ajudar MUITO a manter o cérebro afiado para criar é fazer uma lista de palavras. Literalmente quaisquer palavras que te vierem à mente.
Pato, balão, sorvete, chiclete, sapato, palhaço, elefante, videogame, finanças, caneta, cantor, água…
Sorteie duas dessas palavras e tente pensar em diferentes relações entre elas, mesmo que sejam mega abstratas. Nesse exemplo, escolhi aleatoriamente “palhaço” e “finanças”.
Posso pensar num executivo que trabalha como palhaço voluntário num orfanato aos fins de semana, ou uma nova nota de dinheiro que, ao invés de um animal, traz o Patati e o Patatá estampados – os falsos, de preferência.
Crie todos os dias, seja com esse exercício ou qualquer outra forma de sua preferência, e a constância vai lapidar área criativa do seu cérebro.
Achei 10 reais no bolso da calça!
Li uma vez que a realidade não precisa fazer sentido, mas a ficção precisa. Existem muitas histórias, especialmente em filmes, que a galera critica por ser algo sem sal. Imagine o Super Mario indo salvar a princesa e, ao se deparar com o Bowser, ele vê uma espada no chão e decide usá-la para duelar com o seu algoz.
Em nenhum momento da história do Mario ficou estabelecido que ele sabe manejar espadas (embora ele use um martelo em vários jogos). Mais: que sentido faz ter uma espada esquecida no chão DO NADA?
Outro exemplo são os mundos de RPG. O Mestre começa sua narração de maneira dramática para os jogadores. “Vocês estão reunidos em uma taverna. O Bárbaro com seu machado, a Maga com um cajado e seu velho livro de feitiços e o Clérigo com um pequeno escudo e seu porrete de aço.”
Legal, mas… Por que os personagens precisam andar fortemente armados nesse mundo? Por que eles vão armados até num bar?! Cadê a polícia?
A vida real comporta quase qualquer explicação, mas as boas histórias fictícias precisam de substância, precisam de coerência.
Seu amigo te conta que tava morrendo de fome, mas zerado de grana, aí bem na hora que passou na frente da cantina, colocou a mão no bolso, achou uma nota de 20 reais e conseguiu comprar um X-burger e um guaraná. Seria uma ótima coincidência na vida real, mas uma situação super forçada num filme do Homem Aranha.
Aliás, fica aqui uma dica extra: é melhor mostrar do que dizer.
Uma pequena cena, como essa do amigo na cantina, funciona muito melhor no storytelling do que simplesmente dizer “fulano gosta de x-burguer”.
O ponto final às vezes é o começo, e não o fim
Esse último subtítulo é uma frase que eu gosto demais (aprendi ela aqui), e achei ótima para nomear o encerramento desse texto.
Como storyteller, tenha um compromisso inquebrável com a qualidade do seu trabalho, com o encanto, com a arte de fazer os outros verem aquilo que só existe dentro da sua mente. Com a telepatia que é o ato de contar uma história.
É crescente o número de textos que são escritos para algoritmos e CEO, e não para pessoas. Claro que, se a sua ideia é atuar no marketing digital, é inevitável que você precise adequar seu conteúdo, e não tem nada de errado nisso, pelo contrário. Só lembre de colocar carinho e alma nas suas palavras.
“Ah, eu trabalho com conteúdo”, mas o seu trabalho realmente contém algo? Com ou sem algoritmo, se tiver carinho e esmero, a sua história vai funcionar, seja pra uma ou um milhão de pessoas.
Arte e dinheiro podem (e, na minha opinião, devem) coexistir. Esse equilíbrio é imprescindível, pois qualquer extremo vai matar o seu trabalho, seja pela falta de verba ou pela falta de relevância.
Ao terminar seu trampo, dê um tempo, leia de novo, corrija, adapte. É um verdadeiro atletismo intelectual, e quanto mais preparo você tiver, mais longe chegará.
Se você gostou desse conteúdo e quer conhecer mais do meu trampo ou trocar ideia comigo, aparece lá no meu site, rafazago.com. Vai ser ótimo ter a sua visita por lá!
O gato pula da cadeira e caminha até a porta de vidro. Há uma velha folha sulfite colada ali com durex. Como se fosse capaz de ler as frases escritas com giz de cera, o felino olha fixamente para o papel, a cauda balançando levemente para os lados.
“Tudo girou e, o que era meu, agora é seu”.
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