Histórias que o povo conta: O ET brasileiro na pré-escola

O ser humano vem sendo preparado para ser usuário de Uber há muito tempo.  

Séculos atrás, os mais nobres confrades faziam seus traslados em charretes e carruagens. Avançando um pouco, vemos os bondinhos levando cidadãos de bem até seus empregos, chegando até décadas recentes, nas quais muitas crianças da pré-escola são levadas às aulas pelas peruas escolares. 

As peruas são um ambiente de aprendizado talvez tão importantes quanto a própria escola. Você aprende a lidar com o público infanto-juvenil, aprende a esperar sua vez de desembarcar, aprende a ser pontual e várias outras habilidades e valores ainda melhores (ou piores, dependendo do elenco da sua perua).  

Pra mim, esse ambiente foi a Perua do Tio Nardo. 

Do alto dos meus 6 anos de idade, eu me considerava um importante membro da sociedade ao acordar cedo, vestir o uniforme da escola e aguardar o Tio Nardo no portão de casa. 

O perueiro era muito gente boa, e graças a ele aprendi a existência da palavra “inimizade” (que ele usou ao dar bronca em mim e em um outro garoto quando brigamos por um lugar na janela) e também adquiri um vasto conhecimento da discografia do É o Tchan, que tocava todos os dias NA MESMA ORDEM no rádio do veículo. 

TUTUTU PÁ! 

Mas sem dúvidas, a memória mais inquieta que tenho como passageirinho do Tio Nardo foi um contato imediato de terceiro grau com o alienígena brasileiro. Ou pelo menos, era isso o que eu acreditei na situação. 

Havia um garoto muito estranho no elenco da perua (e que também estudava na minha escola, mas eu nunca o via por lá, a não ser na entrada). Ele não ia conosco todos os dias, e quando ia, não proferia uma única palavra. Apenas um sorriso. Um sorriso mecânico e fixo, digno dos mais caricatos psicopatas. 

Certo dia, comentei com o filho do Tio Nardo (acho que era Paulinho o nome dele, algo assim) sobre o tal menino. O Paulinho estudava no Sesi e eu o respeitava muito, pois ele dizia que tinha aulas de matemática. Eu não fazia ideia do que era matemática, mas parecia ser coisa de gente inteligente. Secretamente, eu queria ser inteligente igual ao Paulinho. 

A resposta dele sobre o menino esquisito me deixou muito intrigado. “Ele é um ET, sabia?”. Não! É claro que eu não sabia! 

Fiquei catatônico. Ao longo das semanas, sempre que eu entrava na perua e o ET estava lá, eu ficava quieto, evitando qualquer contato visual. O Paulinho percebeu isso. E como toda criança inteligente, ele resolveu agir a respeito. 

A escola estava prestes a inaugurar uma quadra coberta, e para celebrar, todos os alunos estavam preparando atividades de cunho artístico. 

Num dos dias em que o ET não estava na perua, o filho do Tio Nardo me disse que “ele decidiu que vai se transformar e revelar sua forma verdadeira no meio da quadra”. 

Poucas coisas se equiparam à maldade das crianças, especialmente das inteligentes que têm aulas de matemática. 

Chegado o dia da inauguração, eu não queria ir pra escola. O que complicava pro meu lado é que minha mãe ia também. Com todas as turmas ensaiando canções, coreografias e brincadeiras, todos os responsáveis foram convidados para assistir, o que tornava aquele o cenário ideal para a revelação de um extraterrestre. 

Acabei indo para a festinha escolar e, para minha surpresa, não vi o ET na quadra em momento algum. Eu e minha mãe estávamos seguros ao que tudo indicava. 

Entretanto, a calma foi embora na saída, quando vi o alienígena e sua progenitora no portão da escola. Ela conversava com outra mulher enquanto seu filho brincava com outras crianças. 

A moda do É o Tchan, pelo visto, foi maior do que os seres humanos são capazes de compreender. Com o mesmo sorriso de rei do camarote, o menino brincava com um Bambolê do Tchan

Não era exatamente o disco que eu esperava ver na posse de um ET. 


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