Descobri que trabalhar em outra cidade traz aquele sentimento de heroísmo e enlevo. Você chega em casa tal qual um lobo alfa arrastando com o focinho a caça do dia, sendo admirado pela alcateia por sua bravura e capacidade de prover a subsistência a todos.
Mas também tem aqueles dias em que a vida, ah! A vida, ela prega suas peças. É aquela moça que você olha e pensa “não sei se você me ama ou se é só mais um de seus truques”, é aquele casal desconhecido que, pro filho parar de chorar no shopping, aponta pra você e fala “o homem vai ficar bravo com você”. E também é um pouco disso que vou contar aqui.
Chegando em Jundiaí depois de um dia especial no trabalho (uma ideia bacana minha tinha sido aprovada), começo a caminhar em direção a meu domicílio. Tenha em mente que eu estava há quase 1 hora e meia apertado dentro de um ônibus, e se você tem consciência do quão verticalmente corpulento eu sou, já entende que eu estava bem pobre coitado neste momento (pra quem não me conhece: eu sou photoshopado pra cima, mas sem o shift segurado).
Enquanto caminhava, um carro tocando um dos funks mais hediondos que já ouvi na vida passou por mim em alta velocidade, com os ocupantes berrando do lado de dentro. Não vou colocar a letra do funk aqui, senão seus pais não deixam mais você ler meus textos.
Naquele momento meus instintos mais primitivos foram ativados. Eu seria capaz de cravar minha mandíbula no para-choque do carro e arremessá-lo pra longe, emitindo um urro gutural e colorindo uma pintura rupestre logo em seguida.
Foi quando OUVI um urro gutural: um dog gritava alucinadamente de dentro de um portão para o carro, que já ia sumindo na distância com velocidade. Passei pelo cão, que era de alguma raça que não conheço, mas era bem grande. Olhei nos olhos dele e, por lapsos de segundo, estabelecemos um diálogo, num ato compreensão e respeito mútuo.
-O mundo tá cheio de babaca, né, parceiro?
-Pode crer, irmãozinho. Tava aqui procurando meu brinquedo novo que faz um barulho engraçado e fui covardemente desrespeitado – respondeu o cão.
-Pior eu, que tava voltando do trabalho e ao invés de sentir tranquilidade, já cheguei passando nervoso – falei.
-É isso aí, guerreiro! Tem de comprar ração pros teus filhotes. Continua firme no teu corre.
-Valeu! Nem casado eu sou ainda, mas um dia quero ser pai. Você tem filho já?
-Me botaram pra cruzar tem uns 2 anos. Fiquei sabendo que nasceram 7 carinhas na ninhada, mas nunca vi eles (não me lembro exatamente qual de nós dois disse essa frase, mas pelo contexto deve ter sido o cachorro).
-Que fita! Mas um dia espero que os Rafinhas possam brincar com teus moleques, parceiro. Tamo junto!
-Tamo fechado, irmão! E olha, se você ver vagabundo tocando essa merda alto de novo, sai correndo e latindo atrás deles por mim – respondeu o dog.
-Fechou!
Cheguei em casa me sentindo em paz e renovado. No dia seguinte comprei um ossinho pra eu ficar mordendo.
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